O maior legado do ex-presidente Lula para a política brasileira certamente será a depredação das instituições democráticas promovida sob seu comando, e a consagração da noção de que os fins justificam os meios. Prova disso é a defesa das “pedaladas fiscais” feita por Lula dias atrás, durante um evento em São Bernardo do Campo (SP). “Agora, estou vendo a Dilma ser atacada pelas pedaladas. Não conheço o processo, não li. A Dilma, em algum momento, ela tenha deixado de repassar dinheiro do orçamento para a Caixa, não sei, por conta de algumas coisas que ela tinha de pagar e não tinha dinheiro. E quais eram as coisas que ela tinha de pagar? Ela fez as pedaladas para pagar o Bolsa Família. Ela fez as pedaladas para pagar o Minha Casa, Minha Vida”, afirmou no Congresso Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores.
Para começo de conversa, Lula admite claramente que está falando de algo que não conhece em detalhes. Mas as pedaladas eram mesmo necessárias? Seria preciso cometer irregularidades com as contas públicas se não tivéssemos um Estado inchado, que desperdiça dinheiro com uma estrutura administrativa mastodôntica e funcionários em excesso? Seria necessário “pedalar” se a Petrobras não estivesse sendo pilhada sistematicamente por anos? O governo teria de brincar com a contabilidade se não estivesse usando o dinheiro do contribuinte para financiar ditaduras ideologicamente alinhadas com o PT, por exemplo com o Mais Médicos?
A relativização moral do ilícito é característica da esquerda
E a bravata não termina na suposta “necessidade” das “pedaladas”. O site Contas Abertas e a colunista Miriam Leitão destrincharam as informações sobre as irregularidades fiscais cometidas pelo governo Dilma em 2014 e descobriram que a maior parte delas não foi dirigida aos programas sociais, e sim para as grandes empresas e o agronegócio. Dos R$ 40 bilhões “pedalados” por Dilma no ano passado, R$ 7,66 bilhões se referiam ao Minha Casa, Minha Vida, mas o item campeão foi o Programa de Sustentação ao Investimento (PSI), do BNDES, destinado a empresas para inovação e a produção e compra de bens de capital. Foram R$ 12,16 bilhões correspondentes à equalização das taxas de juros, já que o BNDES empresta a juros muito mais camaradas que a taxa paga pelo Tesouro Nacional. Além do PSI, outra “pedalada” substancial é cortesia de subvenções agrícolas: R$ 7,94 bilhões (ou seja, também mais que o Minha Casa, Minha Vida).
Mas o discurso furado sobre a necessidade das “pedaladas” e de que seu destino eram os programas sociais empalidece perto da estarrecedora ideia de fundo embutida nas palavras de Lula: a de que, em nome de “boas intenções”, as leis são um mero detalhe. Podem ser desrespeitadas, desprezadas, esquecidas. Dilma “pedalou”, diz Lula, mas foi por uma boa causa, e por isso merece o perdão do TCU, daqueles que desejam seu impeachment, enfim, do povo brasileiro, e ficamos por isso mesmo.
A relativização moral do ilícito é característica da esquerda. Basta recordar a famosa entrevista do historiador Eric Hobsbawm a Michael Ignatieff em 1994, na qual Hobsbawm declarou sem rodeios que as dezenas de milhões de mortes causadas pelo regime stalinista teriam sido aceitáveis se o resultado fosse uma sociedade genuinamente comunista. Dentro do petismo, essa relativização também não é nova: vem de anos, e as intenções que absolvem os criminosos no tribunal moral petista não precisam nem mesmo ser dirigidas aos mais desfavorecidos. O que fez de José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Delúbio Soares “guerreiros do povo brasileiro”? Foi operar o mensalão em benefício não dos pobres, mas única e exclusivamente em benefício do partido. Semelhante processo de canonização está sendo montando no petrolão, pois o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, já condenado no âmbito da Operação Lava Jato, também está a caminho dos altares petistas como mártir das “boas intenções” sem ter desviado um único real para o bolso de um brasileiro necessitado.