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Em viagem recente pela Europa, Lula fez discursos e deu entrevistas defendendo a proposta de que o mundo deveria estabelecer um tributo sobre os super-ricos, a ser criado com alíquota de 2% sobre a riqueza das 3 mil pessoas mais ricas do mundo. Os argumentos usados por Lula são, entre outros, o de que o dinheiro arrecadado seria aplicado na redução da fome e na defesa do meio ambiente. Tentando parecer um bom samaritano em defesa dos pobres, Lula acrescentou que sem essa tributação a democracia estaria ameaçada.
Há pelo menos duas falácias e uma esperteza demagógica nessa conversa de Lula, pois é óbvio que qualquer proposta que fosse capaz de reduzir a fome no mundo, defender o meio ambiente e evitar a destruição da democracia soaria humanitária, imbatível e mereceria o apoio de toda pessoa com um mínimo de boa intenção e compaixão. O problema é que certas medidas econômicas ruins e sem a capacidade de produzir o efeito a elas atribuído podem ser defendidas sob argumentos nobres.
Primeiro, a ideia lulista veio acompanhada da estimativa de que a arrecadação mundial com um imposto de 2% sobre o patrimônio dos 3 mil mais ricos do mundo poderia render US$ 250 bilhões. Para comparar, a soma do Produto Interno Bruto (PIB) de todos os países em 2020 foi de US$ 85,3 trilhões; um imposto de US$ 250 bilhões representaria 0,35% do PIB mundial. Esse valor é simplesmente ridículo e minúsculo em relação ao necessário para reduzir a fome mundial e mitigar os problemas do meio ambiente.
Se a proposta de Lula fosse aprovada, dos possíveis US$ 250 bilhões de arrecadação, uma pequena parte iria para os pobres e para o meio ambiente, só depois de a maior parte ficar na burocracia governamental
Em segundo lugar, as estruturas estatais no mundo inteiro, em qualquer regime político e sistema econômico, vêm provando há décadas que foram todas contaminadas por uma cultura que as levou a se especializarem em absorver fatias cada vez maiores dos tributos para si, para os políticos que as dirigem e para os funcionários que as dominam. Assim, a julgar pela história dos tributos no mundo e pela lógica de funcionamento das burocracias públicas, sobretudo no Brasil, novos impostos que coloquem mais dinheiro nos cofres públicos vão primeiro para os bolsos já gordos daqueles que se nutrem de salários e benefícios, e apenas o que sobra vai para financiar investimentos e programas sociais.
Por óbvio, se a proposta de Lula fosse levada a sério e aprovada, dos possíveis US$ 250 bilhões de arrecadação, uma pequena parte efetivamente iria para os pobres e para o meio ambiente, só depois de a maior parte ficar na burocracia governamental. Nesse ponto, o Brasil é um péssimo exemplo. Quando José Sarney assumiu a Presidência da República, em 1985, a carga tributária era de 21% do PIB; o presidente vivia pregando que, se ela chegasse a 25%, o governo teria mais 4% do PIB para transferir às camadas mais pobres, acabando com a fome. A história mostrou que Sarney estava, como é comum entre os líderes políticos, recorrendo à demagogia pura e simples: os aumentos tributários continuaram sem cessar, assim como a miséria e a pobreza que tais aumentos supostamente eliminariam. Aqueles 21% do PIB em 1985 cresceram sistematicamente até chegar a 34% do PIB em carga tributária atual. São 13 pontos porcentuais a mais, enquanto a miséria e a pobreza continuam aí, intocáveis.
Voltando ao caso do imposto mundial sobre os super-ricos, ideia que parece nobre e humana, é preciso ainda ressaltar outro elemento. Se eles entregarem mais US$ 250 bilhões para os governos do mundo, além do já citado fato de que seguramente somente uma parcela mínima desse valor iria para alimentar os famintos e defender o meio ambiente, teríamos US$ 250 bilhões a menos em investimentos e empreendimentos geradores de produto, renda, emprego e impostos.
Lula, que atualmente não é reconhecido no exterior como autoridade em qualquer assunto relevante de interesse mundial, acaba de produzir mais uma de suas falácias ignoradas entre os maiores líderes mundiais. Sua defesa da tributação sobre os super-ricos, tal como foi posta, não recebeu a menor atenção de qualquer país desenvolvido e é apenas mais uma de suas costumeiras demagogias. Vale registrar que a proposta de Lula não tem nem o mérito de ser inédita, pois já foi sugerida de forma mais estruturada por outros atores da cena mundial, como é o caso do economista francês Thomas Piketty, em seu livro O Capital no Século 21.
O defeito implícito em todas as propostas similares é a crença ingênua na capacidade do Estado de ser um distribuidor austero de renda a partir do aumento da tributação sobre as pessoas e o setor privado, quando a história tem demonstrado fartamente que os governos têm sido um dos principais causadores das desigualdades de renda justamente por se apropriarem de fatias exageradas dos recursos tributários em favor da burocracia estatal, seus políticos e seus funcionários. Isso já foi dito pelo próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, no fim do segundo mandato do governo Lula.