Declarações do ex-presidente sobre "ter mais critério" ao escolher os ministros do Supremo indicam desprezo pela autonomia do Poder Judiciário
Dois dias depois de o ex-presidente Lula, em São Paulo, fazer campanha eleitoral antecipada ao afirmar que "precisamos eleger o Padilha e a Dilma" fazendo referência ao atual ministro da Saúde, ungido pelo chefe de fato do PT para concorrer ao governo paulista em 2014 , o jornal Correio Braziliense publicou, no domingo passado, uma entrevista com o ex-presidente na qual ele volta a flertar com uma característica de seus oito anos de governo: a lenta erosão das instituições democráticas. Entre as afirmações mais sintomáticas da entrevista, estão aquelas referentes à escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal um tema certamente caro para quem considera que houve "linchamento", e não um julgamento, no caso do mensalão.
Questionado pelos repórteres Tereza Cruvinel e Leonardo Cavalcanti sobre quais teriam sido os maiores erros dos oito anos de governo, Lula disse que fez o que achou que poderia fazer, e emendou: "Há quem me pergunte se não me arrependo de ter indicado tais pessoas para a Suprema Corte. Eu não me arrependo de nada. Se eu tivesse de indicar hoje, com as informações que eu tinha na época, indicaria novamente". Quando os repórteres perguntaram se faria diferente com as informações atuais, o ex-presidente disse que "teria mais critério", antes de mudar de assunto. A dupla de jornalistas, então, tentou retomar o fio da meada: "Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar no tempo...", ao que Lula respondeu: "Nem podemos pensar nisso. Eu não sou mais presidente, eles já estão indicados e irão se aposentar lá". E assim morreu o assunto.
Em dois mandatos, Lula nomeou oito ministros para o Supremo, em ordem cronológica: Ayres Britto, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Menezes Direito e Dias Toffoli. Desse grupo, metade segue na corte (Barbosa, Lewandowski, Carmen e Toffoli). Quais deles teriam sido rejeitados caso Lula tivesse "mais critério"? Impossível saber ao certo, pois o ex-presidente, ao contrário do que diz o ditado popular, ajoelhou, mas não rezou (e não foi por falta de insistência dos repórteres). E, ao agir assim, lançou uma sombra de dúvida sobre alguns dos integrantes da principal corte do país.
Que informações Lula não tinha à época das nomeações e teriam feito diferença? Seria o grau de subserviência ao Executivo, especialmente no julgamento do mensalão? A esse propósito, é preciso recordar uma fala emblemática do ex-líder do PT na Câmara Paulo Rocha, ele mesmo um dos réus da Ação Penal 470. "Os ministros do Supremo não foram colocados lá para apenar como estão apenando", disse a uma repórter do jornal O Globo em setembro de 2012. A indiscrição de Rocha ajudaria a imaginar o STF dos sonhos de Lula?
Aliás, falando em critérios e informações, o caso de Dias Toffoli é outro que merece recordação. Afinal, Lula sabia muito bem que o então advogado-geral da União não tinha mestrado nem doutorado, nunca havia publicado nenhum livro, e ainda acumulava duas reprovações em concursos para a magistratura. Isso não impediu que Toffoli fosse conduzido ao STF. O resto é história: apesar de ter trabalhado para José Dirceu na Casa Civil, não se declarou impedido no julgamento do mensalão e ajudou vários dos condenados, incluindo seu ex-chefe, a ter quatro votos pela absolvição em algumas acusações, o que por sua vez levou à polêmica dos embargos infringentes.
A Gazeta do Povo defende a manutenção do critério atual de indicação dos ministros do STF, com nomeação pelo presidente da República e sabatina no Senado. E o fizemos logo após o ministro Luiz Fux ter revelado que havia pedido o apoio de José Dirceu, de Antônio Palocci e do líder do MST João Pedro Stédile, quando surgiu uma vaga para o Supremo, em 2010. Ressaltamos, na ocasião, que esse tipo de situação dizia muito mais sobre o caráter dos que detêm o poder de escolha que sobre o candidato propriamente dito ou sobre o sistema. A entrevista de Lula, tanto pelo que ele diz quanto pelo que omite, serve apenas para desmoralizar a independência do Poder Judiciário.