Na quinta-feira, o governo federal e a Eletrobras pediram um prazo adicional de 45 dias para seguir negociando um entendimento que evite o julgamento de uma ação na qual o governo Lula questiona a constitucionalidade do formato de desestatização da empresa de energia. Se o ministro Nunes Marques aceitar o pedido, será a segunda prorrogação, já que em abril o relator já havia concedido mais 90 dias aos representantes da Eletrobras e da Advocacia-Geral da União. E o que está em jogo, no fim, é a busca por uma forma de contornar o que os representantes do povo decidiram quando aprovaram a lei da privatização, em 2021.
Com a desestatização, a Eletrobras se tornou uma corporation, um modelo que limita o poder de voto dos acionistas: independentemente da quantidade de papéis que detenham, eles não podem ter mais de 10% dos votos. A pulverização existe para evitar tanto um cenário de “aquisição hostil” quanto uma ingerência forte do governo federal. É um modelo adotado internacionalmente, debatido e aprovado no Congresso Nacional no caso da Eletrobras, e que não fere nenhum preceito constitucional; fere apenas os brios estatizantes de Lula, que não se conforma com o fato de o governo ter só 10% dos votos quando ainda possui pouco mais de 40% das ações ordinárias.
Assumir toda a dívida da Eletronuclear e os custos de Angra 3 é um preço que Lula aparentemente está disposto a pagar para ter mais votos no conselho da Eletrobras, cuja privatização o petista sempre atacou
Quando o governo, então, propôs uma ação de inconstitucionalidade contra a lei que permitiu a privatização da Eletrobras, cabia ao STF simplesmente julgar o caso e fazer valer a lei, mantendo o que os congressistas aprovaram. Em vez disso, ao remeter a controvérsia à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), Nunes Marques abriu as portas para soluções heterodoxas e que batem de frente com as disposições legais. É assim que já surgiram soluções bem questionáveis, como a venda de uma pequena parte das ações em posse do governo em troca do controle federal total sobre a Eletronuclear e, o mais importante, de uma ampliação no Conselho de Administração da Eletrobras para dar mais cadeiras à União, algo que o estatuto da empresa não permite e que a própria Eletrobras já havia negado em fato relevante divulgado em 2023.
A ideia, no entanto, colocou em rota de colisão os ministros das Minas e Energia, Alexandre Silveira, que compartilha das pretensões estatizantes de Lula, e da Fazenda, Fernando Haddad. A equipe econômica não vê com bons olhos a possibilidade de assumir toda a dívida da Eletronuclear, que hoje é de R$ 6 bilhões, e ficar com o custo total das obras para concluir a usina de Angra 3, que pode chegar a R$ 26 bilhões – atualmente, tanto a dívida quanto os gastos com a usina são compartilhados entre a União e a Eletrobras. Mas este é um preço que Lula aparentemente está disposto a pagar para ter mais votos no conselho da empresa cuja privatização o petista sempre atacou.
Qualquer privatização de estatais, a bem da verdade, é lida pelo petismo como um acinte, uma traição à pátria, por mais que essas empresas decolem uma vez livres do controle estatal, ou mesmo que seja inequívoca a necessidade de entrada do capital privado para que certa empresa possa operar de forma satisfatória, dada a quase nula capacidade governamental em fazer os investimentos necessários – o saneamento básico é um caso eloquente desta situação. O petismo quer reconquistar o controle sobre a Vale, cooptando conselheiros para influenciar a sucessão de Eduardo Bartolomeo, que Lula conseguiu defenestrar após muita pressão. E, graças à omissão do STF em fazer valer a lei, tentará o mesmo com a Eletrobras.
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