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Editorial

Lula quer o dinheiro dos fundos de pensão de estatais

Governo quer descobrir como privatizar o serviço postal dos Correios
Sede dos Correios, em Brasília. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os funcionários e aposentados dos Correios certamente não têm boas lembranças do período em que Dilma Rousseff esteve no poder. Foi exatamente entre 2011 e 2016 que a administração do Postalis, o fundo de pensão da estatal, fez evaporar o dinheiro recolhido a duras penas pelos funcionários da empresa para terem uma aposentadoria tranquila. O prejuízo acumulado no período foi de R$ 4,7 bilhões em valores da época – R$ 9,1 bilhões em valores atuais. Um rombo tão grande que, para ajudar a tapá-lo, os trabalhadores da ativa e os pensionistas começaram a sofrer descontos no contracheque – em alguns casos, a mordida chegava a 37%.

A lista de investimentos desastrosos realizados entre 2011 e 2016 inclui a compra de títulos da dívida da Argentina kirchnerista e da Venezuela bolivariana; de ações de empresas do Grupo X, de Eike Batista; de debêntures de um grupo educacional que faliu em 2016; e de títulos de bancos liquidados, como o Cruzeiro do Sul e o BVA. Em 2016, a Operação Greenfield ainda descobriu que os fundos de pensão vinculados a estatais pagavam preços superiores aos de mercado em Fundos de Investimento em Participações (FIPs), beneficiando empresas encrencadas na Lava Jato e “campeões nacionais” escolhidos a dedo durante a primeira passagem do petismo pelo Planalto.

As escolhas de investimentos feitos por fundos de pensão de uma empresa têm de ser feitas sempre tendo em mente o interesse dos funcionários e dos aposentados, e não do governo

Ainda que estivéssemos diante de uma grande coincidência, já bastaria para que os gestores fossem imediatamente defenestrados por seu talento para escolher sempre as piores opções de investimento. Mas não era coincidência: todo esse portfólio poderia ser resumido a uma palavra: camaradagem, seja com governos ideologicamente alinhados com o petismo, seja com os “amigos do rei” dentro do Brasil. O escândalo foi tamanho que rendeu investigações e intervenção no Postalis.

Mesmo com o desconto no contracheque dos funcionários da ativa e dos pensionistas dos Correios, a dívida não parou de crescer, e agora a estatal assinou um acordo em que se compromete a cobrir metade do rombo total, que é hoje de R$ 15 bilhões. Não é que os Correios estejam com a saúde financeira em dia: a estatal acumula prejuízos na casa das centenas de milhões de reais desde 2022, depois de uma sequência de cinco anos de lucros, entre 2017 e 2021 (quando a estatal teve resultado recorde, lucrando R$ 3,1 bilhões). Em outras palavras, a estatal, que já fechou o primeiro trimestre deste ano com um buraco de R$ 800 milhões, ainda terá de fazer muitos desembolsos para cobrir o desastre dilmista.

Além disso, existe um outro interesse por trás do saneamento do Postalis. O presidente Lula chamou ao Planalto, na semana passada, os presidentes dos quatro grandes fundos de pensão de estatais – além do Postalis, o Petros (da Petrobras), a Previ (do Banco do Brasil) e a Funcef (da Caixa Econômica Federal) – e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir um possível afrouxamento dos critérios que os fundos usam para selecionar seus investimentos. Só Postalis, Petros, Previ e Funcef têm na carteira R$ 500 bilhões, que Lula gostaria de ver, ao menos em parte, bancando obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), muitas das quais estão paradas ou nem começaram a sair do papel, apesar de toda a fanfarra governamental no relançamento do programa.

Que fundos de pensão sejam ator importante no mercado financeiro, ou como financiadores de empresas e de infraestrutura é legítimo – é o que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo. Mas as escolhas de investimentos têm de ser feitas sempre tendo em mente o interesse dos cotistas, os funcionários e os aposentados, e não de um terceiro (no caso, o governo). Muito pior é que essa intromissão de um terceiro tenha o aval ou até o apoio do órgão que deveria garantir que os fundos sejam bem administrados. A ideia de “flexibilizar” os critérios de investimento dos fundos veio da Previc, órgão do Ministério da Previdência que supervisiona planos de previdência complementar; um ofício obtido pelo jornal O Globo diz que o fato de os fundos não poderem investir em debêntures de infraestrutura atualmente atrapalha “a formação de funding necessário para execução do referido programa de investimentos do governo federal (Novo PAC)”, e que as medidas sugeridas têm o objetivo de “cumprir os compromissos e as metas em favor da sociedade” e “do desenvolvimento do país”. Que ninguém se surpreenda se os trabalhadores da ativa e os aposentados das estatais terminarem como os grandes prejudicados, mais uma vez.

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