Lula e o PT têm um conjunto bem simples de regras para lidar com estatais ou empresas que um dia pertenceram ao Estado, mas foram privatizadas. O que ainda está em posse do governo continuará assim; o que foi privatizado deve ser recuperado – é, por exemplo, o que Lula quer fazer com as refinarias das quais a Petrobras se desfez como parte do seu plano de reestruturação; e, se não for possível recuperar, faça-se o que for possível para interferir. Neste último ponto, Lula acaba de perder uma batalha (mas não a guerra) em relação à Eletrobras, e tem outro alvo em vista: a Vale, desestatizada no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.
O presidente da República tenta, mais uma vez, colocar seu ex-ministro Guido Mantega em um posto-chave da mineradora. Depois de tentar (e não conseguir) fazer dele o presidente da Vale, no ano passado, Lula agora quer ao menos emplacar Mantega no Conselho de Administração, ocupando uma das vagas da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que é um dos principais acionistas da companhia. Uma vez ali instalado, ele poderia tentar mais adiante o que lhe foi negado em 2023: substituir o atual presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo. O executivo é alvo de críticas dentro do PT por fazer exatamente o que se esperaria de alguém que estivesse à frente de qualquer companhia: priorizar o bom desempenho da empresa por meio de uma gestão profissional, como aliás fizera também Roger Agnelli, que Lula conseguiu expurgar da Vale em 2011.
O que Lula deseja, no fim, é colocar toda a engrenagem econômica da nação a serviço das suas ideias ultrapassadas
A reação do mercado financeiro à notícia foi imediata, por dois motivos. Obviamente, pesou o fato de Guido Mantega ter uma espécie de “toque de Midas às avessas”: ele foi o ministro da Fazenda responsável pela implantação da “nova matriz econômica”, política iniciada em Lula 2, mantida por Dilma Rousseff, e que causou a maior recessão da história do país – a bomba explodiu no colo de Joaquim Levy, mas fora armada por Mantega. Além disso, ele presidiu o Conselho de Administração da Petrobras entre 2010 e 2015, época de decisões de negócio desastrosas e da manipulação populista de preços que trouxe prejuízos bilionários à estatal. Apenas este histórico já deixaria o investidor de cabelos em pé, mas ainda pior é que a intenção de Lula reflita um desejo real de colocar a maior empresa privada do país a serviço dos projetos ideológicos do governo.
E por pouco o petismo não teria ainda mais ferramentas para tentar uma “estatização branca” da Vale, pois a participação do governo na composição acionária da mineradora era ainda maior quando Jair Bolsonaro tomou posse, em 2019. Durante seu mandato, a BNDESPar e a Litel Participações – que incluía a Previ e outros dois fundos de pensão, o Petros e a Funcef – se desfizeram de sua fatia na Vale, enquanto a Previ vendeu parte dela e reduziu sua participação a menos de 10%. Com isso, a companhia se transformou em uma “corporation”, caracterizada por controle privado diluído, sem acionistas com mais de 10% dos papéis. Se esse processo não tivesse sido levado a cabo pela equipe econômica do governo anterior, guiada pela convicção de que a iniciativa privada é a grande protagonista da economia, Lula teria muito mais chance de emplacar Mantega no cargo que desejasse.
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O que Lula deseja, no fim, é colocar toda a engrenagem econômica da nação a serviço das suas ideias ultrapassadas. Enquanto no mundo real é a obtenção de lucro, por meio da oferta de produtos e serviços de qualidade e relevância para a sociedade, que permite a geração de emprego e renda, no discurso petista a busca pelo lucro e a livre iniciativa continuam a ser demonizadas, já que as empresas existem para colocar em prática os projetos governamentais, por mais irreais ou megalomaníacos que sejam. Que a Vale seja capaz de seguir o exemplo da Eletrobras e rejeitar essa nova tentativa de interferência estatal.