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Editorial

Intervencionismo indigesto

Lavoura de arroz em Bagé: Rio Grande do Sul responde por 70% do arroz produzido no Brasil. (Foto: Wenderson Araujo/Divulgação CNA)

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Como se não bastasse a exploração política da tragédia que acometeu o Rio Grande do Sul, com uma “intervenção branca” comandada por um pré-candidato petista ao governo gaúcho, Lula viu na catástrofe das enchentes a chance de colocar em prática sua obsessão pelo intervencionismo na forma mais pura. Alegando uma suposta escassez de arroz, já que os gaúchos respondem pela grande maioria da produção nacional, Lula autorizou a importação de 1 milhão de toneladas do grão; ainda por cima, o produto será vendido diretamente pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com rótulo próprio e a R$ 4 o quilo, preço inferior ao que vinha sendo praticado antes das enchentes, em condições normais de mercado.

Não havia, no entanto, razão para pânico; houve perdas, mas quase toda a safra gaúcha de arroz já tinha sido colhida, a ponto de a Conab informar uma produção superior à do ano passado – falava-se até em excedentes para exportação. A elevação dos preços do arroz que efetivamente se verificou logo após a água tomar conta do Rio Grande do Sul não tinha relação nenhuma com quebra de safra ou perda de produto já colhido e armazenado: o que houve foi um minichoque de oferta causado por dificuldades logísticas e burocráticas, combinado com um minichoque de demanda provocado por uma corrida aos mercados, baseada na crença equivocada de que faltaria arroz. Os preços já estavam começando a voltar ao normal quando o governo interveio para bagunçar tudo novamente.

A atuação direta do governo, ao anunciar um leilão de compra de arroz, voltou a inflacionar o produto, como afirmou a senadora e ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS). A incapacidade de entender como funciona a lei da oferta e demanda levou até a críticas infundadas do atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a parceiros do Mercosul. Além do caos no curto prazo, a intervenção do governo ainda tem tudo para elevar os preços do arroz no médio prazo, já que a entrada de arroz estrangeiro – ainda por cima isento de impostos de importação, enquanto o produto nacional segue muito bem tributado – reduzirá os retornos dos agricultores, que tendem a trocar o arroz por outros cultivos, como a soja. O resultado lógico é a redução das próximas safras, e o consequente aumento de preços nas gôndolas dos supermercados nos próximos anos.

Os produtores não foram os únicos a chamar a atenção para a irracionalidade da interferência governamental; economistas e a academia também apontaram a falta completa de lógica na ideia de importar arroz e colocar a Conab para cuidar do processo de uma ponta a outra. Nada disso, no entanto, serviu para dissuadir Lula de ver na medida mais uma chance de capitalizar sobre o drama dos gaúchos, por meio de uma ação facilmente perceptível pela população, ainda que as consequências negativas não demorem muito para chegar – qualquer semelhança com a MP 579, com que Dilma Rousseff desorganizou o setor elétrico em 2012 sob o pretexto de baratear as contas de energia, não é mera coincidência.

O petismo se mantém irredutível em seu terraplanismo econômico, apoiado em princípios surreais como a crença na geração espontânea de dinheiro público para ser gasto, e a convicção de que canetadas governamentais são suficientes para resolver quaisquer problemas, reais ou imaginários (como o inexistente risco de escassez de arroz). Tudo isso, é claro, já foi amplamente testado e reprovado no mundo real, inclusive no Brasil, o que não impede Lula e seu partido de seguir insistindo no erro. Usar o drama gaúcho para autopromoção com fotos e narrativas constrangedoras, para perseguir críticos e para dar início à corrida pelo governo do estado em 2026 já é suficientemente baixo; aproveitar a tragédia para desorganizar o agronegócio local alegando estar fazendo um favor à população, no entanto, é a mais completa falta de vergonha.

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