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Editorial

A “tolerância zero” de Lula fracassa no primeiro teste

Juscelino Filho foi recebido pelo presidente Lula e pelo ministro Alexandre Padilha no Palácio do Planalto. (Foto: Reprodução/Twitter)

“Quem fizer errado sabe que tem só um jeito: a pessoa será, simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo”, prometeu Lula em sua primeira reunião ministerial, ainda nos primeiros dias de janeiro. Apenas dois meses depois, e para a surpresa de ninguém, a “tolerância zero” do presidente da República foi reprovada em seu primeiro teste. Apesar de todas as suas estripulias com o dinheiro do “orçamento secreto”, o uso da jatinhos da Força Aérea para compromissos pessoais e o misterioso sumiço de seus cavalos na declaração de bens à Justiça Eleitoral, Juscelino Filho continuará sendo o ministro das Comunicações. Aparentemente, Lula se contentou com as explicações dadas em uma reunião na segunda-feira, dia 6 – publicamente, o ministro falou em “erro no sistema” de contagem de diárias.

Nunca se há de descartar que o grau de patrimonialismo demonstrado pelo ministro – que, segundo apuração do jornal O Estado de S.Paulo, recebeu diárias pagas com verba pública e usou jatos da FAB para ir de Brasília a São Paulo, onde passou apenas duas horas em compromissos oficiais antes de gastar o fim de semana se dedicando a sua paixão, os cavalos Quarto de Milha – tenha sido considerado por Lula coisa pouca, uma irrelevância. Afinal, estamos falando do PT, que tomou para si não algumas diárias, nem duas viagens em avião da Força Aérea, mas estatais inteiras, como o Brasil descobriu graças à Operação Lava Jato. Perto do mensalão e do petrolão, Juscelino Filho seria um mero aprendiz; sacrificá-lo seria uma injustiça, ainda que ele não faça parte do panteão dos “guerreiros do povo brasileiro”. Mas, ao que tudo indica, Lula tem razões mais pragmáticas para mandar às favas sua promessa de rigor com “quem fizer errado”.

Haveria outras formas mais sensatas para Lula conseguir apoio sem precisar manter no primeiro escalão um ministro encrencado como Juscelino Filho, mas dividir espaços e governar para todos são coisas a que nem Lula nem o PT estão acostumados

Juscelino Filho e Daniela do Waguinho – a ministra do Turismo, às voltas com denúncias de ligação com milícias – pertencem ao União Brasil, que tem a terceira maior bancada na Câmara e a quarta maior no Senado. O apoio do partido como um todo a Lula será impossível, dado o perfil claramente antipetista de vários parlamentares eleitos pela legenda, mas o governo precisará trazer para sua base o máximo possível de deputados e senadores do partido, bem como de outros integrantes do Centrão. As lideranças mais “maleáveis” do União avisaram Lula de que rifar Juscelino não ajudaria na conquista de votos – e cada voto conta, a julgar pelo aviso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL): “hoje o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara e nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”, afirmou o deputado na manhã de segunda-feira, dia 6.

É claro que haveria outras formas mais sensatas para Lula conseguir apoio sem precisar manter no primeiro escalão um ministro encrencado como Juscelino Filho. Mas para isso precisaria realmente levar a sério, na composição do governo, a tal “frente ampla” formada em torno de Lula para vencer a eleição, em vez de tratar os não petistas que “fizeram o L” como inocentes úteis cuja serventia acabou às 18 horas de 30 de outubro de 2022. E precisaria apresentar à sociedade uma pauta realmente agregadora, indicando o desejo de governar para todos os brasileiros e não apenas para o cercadinho ideológico da esquerda.

Mas isso é demais para Lula e o PT. O partido não governa dividindo, ele quer tudo; quando cede, especialmente a partidos que não são da esquerda, o faz muito a contragosto – e a ofensiva de líderes petistas pedindo a cabeça de Juscelino Filho não tem nada a ver com algum surto moralizador, mas apenas com o desejo de comandar também a pasta das Comunicações, essencial para o sonho petista de controlar a imprensa, na eufemisticamente chamada “regulação da mídia”. E não há como esperar moderação de um grupo que voltou ao poder com sede de vingança e o desejo claro de desfazer tudo o que foi construído no Brasil desde o impeachment de Dilma Rousseff, em meados de 2016. Assim, os meios que sobram para o petismo construir alguma base parlamentar são aqueles que o Brasil inteiro já conhece – e repudia.

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