Humildade, modéstia e autocontrole não parecem ser palavras presentes no dicionário do ex-presidente Lula. Quarta-feira, em entrevista a blogueiros chapa-branca no instituto que leva seu nome, Lula praticamente canonizou a si próprio: “Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido”. Como a afirmação soa megalomaníaca até mesmo para um fã inveterado do ex-presidente, é preciso parar e questionar. Será que, passados alguns dias da espantosa afirmação, compreendemos o alcance e as intenções de quem solta um desvario desses? Como estamos tratando de Lula, todo cuidado é pouco e precisamos exclamar, como o personagem de Hamlet: “Loucura, sim, mas tem seu método”.
Se o plano é dar à militância argumentos para defender o partido e seus principais nomes, é provável que essa meta seja alcançada
Dirá alguém que circunstâncias extraordinárias exigem ações extraordinárias, e essa afirmação exagerada de uma honestidade a toda prova só foi necessária porque o cerco está se fechando sobre o até então intocável ex-presidente. Embora não esteja sendo investigado na Lava Jato, Lula foi chamado a depor na Operação Zelotes, por causa das suspeitas que envolvem um de seus filhos, Luís Cláudio, e das relações com o lobista Marcos Marcondes Machado, que foi preso, acusado de operar em suposto esquema de compra de medidas provisórias. O incômodo sentido por Lula com essas investigações aparentemente é maior que qualquer outra inquietação do ex-presidente, que mesmo no auge do mensalão parecia tranquilo em sua estratégia, navegando do “não sei de nada” para o “fui traído” e, finalmente, para o “isso nunca existiu”.
Mas os tempos são outros e o ex-presidente parece estar se preparando para uma batalha de comunicação mais intensa. Além de proclamar a sua indubitável honestidade, Lula ainda quis posar de defensor dos direitos humanos ao defender o manifesto dos penalistas que advogam na Lava Jato: “Achei o manifesto pertinente, atualizado e acho que está na hora de a sociedade brasileira acordar e exigir mais democracia, mais direitos humanos.” Antes de Lula, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, já havia defendido o manifesto.
Parece claro que as defesas dos acusados no petrolão, já desesperançosas de conseguir anular os processos da Lava Jato nos tribunais e se livrar das acusações de corrupção, resolveram investir em uma campanha midiática vitimista para convencer a opinião pública de que as garantias constitucionais estariam sendo violadas. É nessa canoa que Lula e Rui Falcão embarcaram, embora ainda não seja possível saber para onde estão remando.
Se o plano é dar à militância argumentos para defender o partido e seus principais nomes, é provável que essa meta seja alcançada. Basta ver quantos petistas ainda aclamam os mensaleiros condenados como “guerreiros do povo brasileiro” e acusam o STF de ter promovido, na época, “julgamento político” – expressão que já surgiu no caso do ex-tesoureiro João Vaccari Neto, preso pela Lava Jato.
Mas, se a intenção for a de sensibilizar a população a favor de si próprio, do PT, ou mesmo a de evitar o impeachment da presidente Dilma, dificilmente a estratégia surtirá efeito – como, aliás, ocorreu no mesmíssimo mensalão. Quem viu as grandes manifestações contra o PT em 2015 sabe que o discurso da vitimização e da ofensa à ampla defesa já não cola mais.
Ainda há uma terceira possibilidade: com esse discurso de defesa dos direitos humanos e de que neste momento “está muito mais difícil que na ditadura”, Lula pode estar acreditando que pode influenciar no discernimento de algum dos ministros do STF, que julgará eventuais réus da Lava Jato com foro privilegiado ou acabará analisando recursos de condenados em instâncias inferiores – esta, sim, uma estratégia de resultado imprevisível, ao contrário das outras duas.
Certo é que, diante de manifestações tão estapafúrdias de alguém que não dá ponto sem nó, seguir de perto a raposa é essencial, pois ainda é possível que haja algo mais que não se esteja conseguindo identificar.
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