No papel, o Essequibo (ou Guayana Essequiba, como a chamam os venezuelanos) está devidamente anexado por Nicolás Maduro. O ditador já anunciou um Alto Comissariado e uma “Zona de Defesa Integral”, chefiada por um ex-comandante do Exército, para a região pertencente à Guiana, além de determinar às empresas estatais de petróleo e mineração que iniciem a exploração e a emissão de licenças. Maduro também já apareceu exibindo novos mapas da Venezuela que incluem o Essequibo, e a Assembleia Nacional aprovou um projeto de lei criando um estado na região reivindicada. Mas, como diz o ditado, o papel aceita tudo, e na prática não houve mudança alguma, pois nenhum militar venezuelano colocou os pés no território vizinho – o major-general Alexis Rodríguez Cabello, chefe da tal Zona de Defesa Integral, despachará de Tumeremo, cidade venezuelana próxima à fronteira, em uma espécie de “trabalho remoto”.
Por mais patético ou teatral que soe tudo isso, nas relações internacionais há coisas que não se dizem ou fazem nem por brincadeira, e as medidas anunciadas por Maduro se encaixam neste conceito. Não é preciso muito para alguém como o ditador venezuelano saltar da conversa à ação, e justamente por isso a comunidade internacional deveria se apressar para dissuadir o bolivariano enquanto ainda não se disparou tiro algum. No entanto, quem mais teria capacidade de exercer este papel continua assistindo a tudo com uma impassibilidade assustadora diante da perspectiva de um conflito armado entre Estados a poucos quilômetros da fronteira brasileira.
Exortar ambos os lados a buscar o entendimento é uma obviedade, mas fazê-lo sem apontar as devidas responsabilidades é uma trapaça moral. Até agora, apenas a Venezuela tomou “ações e iniciativas unilaterais” para desestabilizar a região
Não contente em apelar para a falsa equivalência moral falando como presidente do Brasil, ao pedir “bom senso” a ambas as partes sem distinguir quem ameaça e quem é ameaçado, Lula conseguiu arrastar o Mercosul inteiro para esta loucura. Na declaração divulgada ao fim da reunião de cúpula de quinta-feira, no Rio de Janeiro, os países do bloco e outras nações sul-americanas “instam ambas as partes ao diálogo e à busca de uma solução pacífica da controvérsia, a fim de evitar ações e iniciativas unilaterais que possam agravá-la”. Exortar ambos os lados a buscar o entendimento é uma obviedade, mas fazê-lo sem apontar as devidas responsabilidades é uma trapaça moral.
Lula e o Mercosul omitem o que é evidente: até agora, apenas um país, a Venezuela, tomou “ações e iniciativas unilaterais” para desestabilizar a região. À Guiana, que tem um poderio militar infinitamente inferior ao venezuelano, não interessa nenhum tipo de escalada nas tensões; tudo o que os guianenses têm feito diante das ameaças de Maduro foi usar os canais que o Direito Internacional lhes coloca à disposição, como a Corte Internacional de Justiça e o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mesmo o exercício militar aéreo conjunto entre Guiana e Estados Unidos não pode ser encarado como ação agressiva, mas como uma compreensível preparação para a eventual necessidade de defesa contra uma invasão venezuelana. Chamar o exercício de “provocação”, como fez o ministro da Defesa da Venezuela, não passa de hipocrisia de quem já recebeu militares de Rússia, China e Irã para um exercício militar conjunto em solo venezuelano.
Que Lula iguale Rússia e Ucrânia, Israel e os terroristas do Hamas, já é suficientemente terrível por demonstrar o senso moral completamente torto do petista, mas é algo a que a comunidade internacional dá menor importância, já que o Brasil pouco tem a oferecer na resolução desses conflitos. Mas no caso do Essequibo a postura brasileira faz toda a diferença: o país é a grande potência regional, e Lula tem uma linha direta com Maduro, sendo inclusive o maior defensor de sua reabilitação no cenário global. Por isso, se Lula não se pronuncia com clareza a cada avanço (mesmo puramente retórico) do venezuelano, se não interfere para dissuadi-lo de uma aventura armada, a omissão se torna cumplicidade porque dá ao bolivariano a sensação de que poderá seguir adiante sem temer a condenação do vizinho maior.
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