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Editorial

Diante do ditador Maduro, Lula oscila entre o silêncio e o teatro

Lula e Maduro
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e o presidente Lula. (Foto: Bienvenido Velasco/EFE)

A “eleição” venezuelana do fim de julho já está definida: o ditador Nicolás Maduro “concorre” à “reeleição”; a oposição democrática ficou impedida de lançar qualquer candidato que pudesse ser competitivo em condições normais; e os adversários do ditador são apenas aqueles autorizados por ele – ou irrelevantes ou suspeitos de estarem apenas fazendo o jogo de Maduro. Mesmo tendo tudo na mão, o bolivariano, como todo autocrata que se preza, não se cansa de seguir brandindo o porrete. Os alvos mais recentes têm sido o pouco que sobrou de imprensa independente na Venezuela.

Segundo levantamento da ONG Espaço Público, apenas em março houve 21 casos e 36 violações da liberdade de expressão contra a imprensa venezuelana. Programas, emissoras de rádio e portais de internet são tirados de circulação e jornalistas têm contra si mandados de prisão – o pretexto mais recente é uma suposta conspiração para assassinar Maduro, algo bem de acordo com o roteiro padrão que antecede surtos repressivos. Um profissional de comunicação, Orlando Avendaño, continua sendo perseguido apesar de estar na Colômbia – agentes do serviço de inteligência venezuelano invadiram a casa de seus pais, levando celulares, computadores e outros aparelhos eletrônicos. A tendência é de que a perseguição à imprensa livre apenas piore com a aprovação de um projeto de lei “contra o fascismo”, mas que na prática criminaliza qualquer discurso que desagrade o ditador.

Qualquer manifestação de “preocupação” de Lula em relação à “eleição” venezuelana não passa um teatro para amenizar um pouco as críticas que ele recebe dentro e fora do Brasil por sua adesão incondicional a Maduro

Enquanto Maduro segue com seu plano de asfixiar totalmente qualquer oposição, polícia, social e midiática, o Brasil se cala e destoa até mesmo de outros líderes de esquerda da América do Sul, como o chileno Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro – que está muito longe de ser flor que se cheire, mas ainda assim teve a decência de afirmar, na semana passada, que a inabilitação de María Corina Machado, vencedora das primárias da oposição, e as manobras que impediram o registro de candidatura de Corina Yoris, a escolhida para substituir Machado, eram um “golpe antidemocrático” com o objetivo de “fechar o caminho, sem dúvida, a uma corrente política real, existente na Venezuela”. Lula, recorde-se, chamou as reclamações de Machado de “choro”; diante do bloqueio à candidatura de Yoris, o Itamaraty publicou uma nota pusilânime e Lula se limitou a chamar o episódio de “grave”, dizendo que “não tem explicação jurídica ou política”.

Maduro reagiu às críticas internacionais chamando-as de “circo”, e ao menos em um caso ele deve estar cheio de razão. Lula é aliado de Maduro – e não um aliado qualquer, mas um que estende o tapete vermelho ao carniceiro em Brasília. A perpetuação do bolivariano no poder é exatamente aquilo que o petista deseja; poderíamos dizer que se trata até de uma inspiração, já que também é do feitio do petismo aparelhar instituições como fez o chavismo, e os dois megaesquemas de corrupção descobertos durante a primeira passagem do PT pelo Planalto, o mensalão e o petrolão, tinham o objetivo de bancar um projeto de manutenção do partido no poder. O apreço de Lula e do PT por ditadores é global – latino-americanos, africanos, europeus, asiáticos – e mostra que o pior cenário para o presidente brasileiro e sua legenda seria um retorno da democracia à Venezuela.

Qualquer manifestação de “preocupação” de Lula em relação à “eleição” venezuelana, bem como a suposta indignação venezuelana em resposta à fala de Lula e à nota do Itamaraty não passam de fingimento, um teatro (combinado ou não, pouco importa) para amenizar um pouco as críticas que Lula recebe dentro e fora do Brasil por sua adesão incondicional a Maduro. É uma tática que funciona ao menos em parte, a julgar pela reação de setores da imprensa que caíram, quiseram cair ou até ajudaram conscientemente a espalhar o conto do “Lula democrata” em 2022, e agora se agarram a qualquer fiapo de “evidência” para não ter de reconhecer sua parcela de responsabilidade, elogiando o que chamam de “avanço” do presidente em relação à Venezuela.

Mas e quanto a María Corina Machado e outros líderes democráticos venezuelanos? Ela agradeceu a Lula no X (antigo Twitter), enquanto Corina Yoris, a candidata bloqueada, disse “não esperar” a manifestação do petista, que classificou como algo “maravilhoso”. Quanto a eles, o diagnóstico mais acertado foi o do colunista da Gazeta do Povo Leonardo Coutinho. “O nível de abandono dos venezuelanos os deixa vulneráveis a qualquer aceno”, escreveu no último sábado. Por isso, são incapazes de perceber que, quando finge estar “preocupado”, Lula não está pretendendo que o povo venezuelano tenha a chance real de escolher entre o ditador e os democratas; no máximo, quer que eles participem apenas para legitimar o que é um jogo de cartas marcadas que a oposição não tem como vencer. Maduro deixou os venezuelanos famintos por comida, mas também por esperança, e por isso eles estão dispostos a agarrar qualquer migalha que lhes seja atirada, venha de onde vier; eis o resultado inevitável do “socialismo do século 21”.

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