Líderes de todo o mundo estão reunidos em Nova York para a 78.ª Assembleia Geral das Nações Unidas e o presidente brasileiro foi o primeiro líder nacional a fazer seu discurso, uma tradição que data dos primórdios da ONU. Lula pode até não ter usado a tribuna para falar em tom de campanha, hábito que assumiu religiosamente mesmo depois de já ter vencido a eleição de 2022, e não ter dito nenhuma grande sandice como fizera em outras ocasiões – especialmente em relação ao ataque russo contra a Ucrânia –, mas também não empolgou nem a audiência, nem a imprensa internacional.
Durante parte do discurso, o brasileiro jogou aquela que é, hoje, uma das pouquíssimas cartas boas que o país tem na mão quando se senta à mesa com a comunidade internacional: a pauta ambiental. Exaltou a matriz energética brasileira, que de fato é uma das mais limpas do mundo, citou a queda no desmatamento na Amazônia durante os primeiros meses de seu governo (mas omitiu o aumento das queimadas no Cerrado no mesmo período) e cobrou o apoio financeiro prometido pelas nações ricas aos países em desenvolvimento. Também dedicou parte substancial de sua fala à questão da pobreza e da fome – sem, no entanto, dedicar uma única palavra à importância do agronegócio brasileiro, ou ao recentemente falecido Alysson Paolinelli, o cérebro por trás de nossa revolução agrícola. E aqui começam as várias contradições do discurso lulista.
Lula pode dizer o que quiser, mas a comunidade internacional tem observado suas atitudes e sabe cotejá-las com o discurso
É de uma ironia trágica dizer que “o destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe. A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar (...) se terá acesso à saúde, ou se irá sucumbir a doenças que já poderiam ter sido erradicadas”, quando o petismo briga para manter os pobres brasileiros convivendo com o esgoto a céu aberto, opondo-se ao Novo Marco do Saneamento. A crítica ao protecionismo dos países ricos é muito pertinente – um exemplo notável é o esforço francês para torpedear o acordo entre Mercosul e União Europeia –, mas o Brasil continua sendo uma das economias mais fechadas do G20, e as políticas de conteúdo nacional que Lula tanto aprecia intensificarão este quadro.
Nos momentos mais, digamos, autênticos de seu discurso, o Lula de sempre se revelou ao, mais uma vez, demonizar a metade do eleitorado brasileiro que preferiu seu adversário no segundo turno, afirmando que superara “o ódio, a desinformação e a opressão” e falando de um “nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”. Também não há como deixar passar incólume a afirmação de que “é fundamental preservar a liberdade de imprensa” quando, internamente, Lula e o PT estão entre seus maiores adversários, tendo trabalhado incansavelmente durante o período eleitoral para censurar veículos de comunicação e, já no governo, insistem no “controle social da mídia” e em legislações que cristalizarão o cabresto sobre as mídias sociais.
O fato é que Lula pode dizer o que quiser, mas a comunidade internacional tem observado suas atitudes e sabe cotejá-las com o discurso. O presidente que fala em “democracia” corre para abraçar ditadores e autocratas mundo afora, estendendo-lhes tapete vermelho quando visitam o Brasil – imediatamente antes de ir a Nova York, o petista tinha ido prestar a habitual reverência ao regime cubano. O presidente que, a propósito da guerra da Ucrânia, consegue apenas falar da “nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU” é o mesmo que, em outras ocasiões, faz diversos acenos ao invasor, Vladimir Putin, e diz que os ucranianos também têm culpa pelo conflito. O Brasil poderia ter muito mais a oferecer ao mundo além do protagonismo ambiental, mas as escolhas erradas de Lula continuarão fazendo do país um mero coadjuvante, quando não o “anão diplomático” com que a chancelaria israelense nos apelidou em 2014.