“O Brasil voltou”, dizia o slogan espalhado por apoiadores do presidente Lula na política, na academia e na opinião pública quando o ainda presidente eleito discursou em um painel paralelo durante a COP27, no Egito, em novembro de 2022. O bordão seria uma referência a uma suposta recuperação do prestígio brasileiro depois de quatro anos em que o país teria se tornado um “pária internacional” sob Jair Bolsonaro. De fato, o Brasil voltou, mas não da forma como os lulistas dizem: voltou a passar vergonha ao se posicionar ao lado do que há de pior na América Latina em termos de ditaduras violadoras de direitos humanos. O episódio recente envolvendo a condenação da Nicarágua na Organização das Nações Unidas é o exemplo perfeito da “nova-velha” diplomacia brasileira, que fecha os olhos quando a violência parte dos aliados ideológicos e coloca agressor e vítima no mesmo nível moral.
Na sexta-feira, dia 3, durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil se absteve de assinar uma declaração conjunta, patrocinada por um robusto grupo de 55 países, que condenava a ditadura de Daniel Ortega, acusada de cometer crimes contra a humanidade. Ao privilegiar a parceria de anos entre sandinismo e petismo – uma amizade que o PT quis esconder durante a campanha eleitoral de 2022, a ponto de pedir (e conseguir) que o TSE partisse para a censura –, a diplomacia brasileira deixou de se alinhar com sólidas democracias ocidentais, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Alemanha e França. Mas o vexame foi ainda maior quando se considera que mesmo regimes latino-americanos inequivocamente esquerdistas também endossaram o documento, como a Colômbia de Gustavo Petro e o Chile de Gabriel Boric – o presidente chileno, aliás, tem feito críticas bastante veementes a Ortega. Para completar o espetáculo deprimente oferecido pelo Brasil, as sugestões de mudanças no texto para que houvesse “espaço para diálogo” com a ditadura nicaraguense foram rechaçadas pelo conselho.
O problema característico do petismo é o de colocar no mesmo plano moral o algoz e a vítima, sem condenar as agressões e sem considerar que há negociações que exigem pontos de partida mínimos para que se chegue a um entendimento
Foi preciso que o Brasil passasse por esse constrangimento para que, na terça-feira, dia 7, o embaixador Tovar da Silva Nunes fizesse uma nova proposta ao Conselho de Direitos Humanos, desta vez mencionando “relatos de sérias violações dos direitos humanos e restrições ao espaço democrático naquele país. Em particular, execuções sumárias, detenções arbitrárias e tortura contra dissidentes políticos”. No entanto, Ortega nem sequer é mencionado, e permanece a insistência em um “diálogo com o governo da Nicarágua e todos os atores relevantes”, o que na prática representa uma minimização da crueldade imposta por Ortega ao povo nicaraguense.
O problema, obviamente, não está no mero pedido por “diálogo” – há situações que efetivamente só podem ser resolvidas por meio de uma negociação. O problema característico do petismo é o de colocar no mesmo plano moral o algoz e a vítima, sem condenar as agressões e sem considerar que há negociações que exigem pontos de partida mínimos para que se chegue a um entendimento. No plano internacional, Lula demonstrou essa mentalidade em várias de suas declarações sobre a guerra na Ucrânia: por muito tempo, o petista igualou moralmente Rússia e Ucrânia, e chegou ao disparate de responsabilizar explicitamente o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pelo conflito. Apenas no fim de fevereiro o Brasil finalmente apoiou, na Assembleia Geral da ONU, uma resolução exigindo a retirada das tropas de Vladimir Putin da Ucrânia, o que deveria ser o ponto de partida para qualquer negociação que encerre o conflito no leste europeu.
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Internamente, o petismo segue o mesmo roteiro quando se trata de seus aliados e entidades-satélites, como ficou evidente no caso da invasão das fazendas da Suzano, no sul da Bahia, por militantes do Movimento dos Sem-Terra. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Texeira, limitou-se a dizer que tentaria “resolver pelo diálogo”, sem admitir que o MST havia violado a lei, que já havia uma ordem judicial de reintegração de posse ignorada pelos sem-terra, ou que as fazendas invadidas eram produtivas – na prática, igualando moralmente os invasores e os proprietários.
O critério petista, como o Brasil sabe já há muitos anos, não é a moralidade do ato em si, mas se as ações são realizadas por aliados ou adversários. Quando se trata de oponentes, as críticas fluem em grande quantidade e intensidade – basta reparar na facilidade com que o petismo se refere a Jair Bolsonaro como “genocida”. Mas, quando a democracia e os direitos humanos são agredidos pelos amigos, primeiro ignora-se até onde for possível; e, quando já não há como esconder o óbvio – por exemplo, que a ditadura de Ortega prende, tortura, exila, destrói as liberdades de expressão, de imprensa e religiosa –, o petismo usa o truque do “diálogo” para colocar os camaradas agressores no mesmo nível das vítimas, sem ter de condenar abertamente as violações. Essa postura pode até enganar os que desejam viver na ilusão de um Brasil respeitado como nos tempos de um Oswaldo Aranha, mas a realidade será a de um país que voltará a ser visto internacionalmente como parceiro de ditadores carniceiros.
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