Num passado que se torna cada vez mais distante, a diplomacia brasileira foi conhecida por sua independência e posições equilibradas. Sem se esquivar, os diplomatas brasileiros se colocavam ao lado da defesa das leis internacionais, da democracia e dos direitos civis das populações, posicionando-se com firmeza contra arbítrios cometidos por ditadores ao redor do mundo. Mas isso mudou.
A meta atual do Ministério das Relações Exteriores parece seguir em direção oposta. Desde o início do seu terceiro mandato como presidente, Lula evidenciou que um dos principais objetivos da política externa brasileira agora é privilegiar os laços diplomáticos com os piores e menos democráticos governos do mundo. Isso se reflete, por exemplo, na maneira como a diplomacia brasileira tem tratado os ditadores considerados “amigos” do Planalto. O venezuelano Nicolás Maduro já foi recebido no país com tapete vermelho; Daniel Ortega, que a cada dia aumenta a perseguição a opositores, críticos e cristãos na Nicarágua, foi poupado de qualquer reprimenda. Agora, o Itamaraty parece estar disposto a garantir passe livre para que até criminosos de guerra visitem o Brasil.
A diplomacia brasileira não cansa de se diminuir e tornar-se motivo de chacota para agradar ditadores e autocratas mundo afora.
Numa manobra feita em novembro do ano passado, mas só tornada pública recentemente, a diplomacia brasileira enviou um parecer à Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (ONU), que disciplina a aplicação das regras do direito internacional entre os países-membros, opondo-se à possibilidade de autoridades estrangeiras condenadas por crimes de guerra serem processadas e punidas fora de seu país. A diplomacia brasileira ainda defendeu que, dentro de seu território, um país só deve cumprir obrigações impostas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) – como uma ordem de prisão – contra um líder estrangeiro se o seu país de origem também for signatário do Estatuto de Roma, que criou a corte, define os crimes julgados por ela (genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, entre outros) e processa pessoas acusadas por esses delitos.
Oficialmente, o argumento usado pelo Itamaraty foi o de que a medida serviria apenas para “promover entendimentos pacíficos de disputas internacionais e relações amigáveis entre os Estados” e para permitir que “funcionários de Estados participem em conferências internacionais e missões em países estrangeiros”. Mas a linguagem amena ofusca um objetivo muito mais concreto: tornar possível que o russo Vladimir Putin possa vir ao Brasil para a cúpula do G20 em novembro sem se preocupar com o risco de ser preso. Desde março do ano passado, o autocrata russo tem contra si um mandado de prisão em aberto, expedido pelo TPI. O tribunal acusa Putin de ser responsável pela deportação ilegal de menores ucranianos e seu transporte de áreas ocupadas na Ucrânia para a Rússia, o que é considerado um crime de guerra. Isso significa que, se Putin pisar em um dos países signatários do Estatuto de Roma – como o Brasil –, ele deve ser preso imediatamente.
Isso se tornou um problema para Lula, que nunca escondeu seu desejo de ver Putin em terras brasileiras – em setembro do ano passado, em entrevista a um canal indiano, Lula garantiu que Putin poderia vir tranquilamente ao Brasil, afirmando que “não há por que ele ser preso” e que isso não aconteceria no Brasil “enquanto Lula for presidente”. Com a emissão do mandado de prisão, o Itamaraty precisou inventar uma forma de criar um salvo-conduto para Putin, nem que para isso fosse necessário recorrer a malabarismos na corte internacional. Mesmo com o parecer – que especialistas em Direito Internacional consideram frágil e inócuo para liberar o Brasil do imperativo de cumprir o pedido de prisão do TPI –, a chance de Putin se arriscar em uma viagem ao Brasil é muito remota. Ainda assim, o simples esforço do Itamaraty para tentar garantir imunidade ao ditador russo, reconhecido internacionalmente como um criminoso de guerra, é significativa.
Durante os governos petistas, o Brasil já foi chamado de “anão diplomático” por sua insistência em fazer as escolhas erradas, alinhando-se a terroristas e ditadores mundo afora enquanto desprezava alianças com democracias sólidas. A expressão, infelizmente, parece estar mais atual do que nunca. A diplomacia brasileira não cansa de se diminuir e tornar-se motivo de chacota para agradar ditadores e autocratas mundo afora.
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