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O presidente Lula em café da manhã com jornalistas na sexta (27): petista descartou chances de déficit zero em 2024.
O presidente Lula em café da manhã com jornalistas na sexta (27): petista descartou chances de déficit zero em 2024.| Foto: André Borges/EFE

Conflitos entre as chamadas “ala econômica” e “ala política” são relativamente comuns dentro de qualquer governo, independentemente de cor ideológica. A não ser que ambas as alas estejam unidas em torno da irresponsabilidade fiscal (o que é mais comum) ou da austeridade (o que é bastante raro), normalmente equipes econômicas estão empenhadas em manter as contas públicas em ordem, enquanto outros ministros preferem mais gastos que impulsionem a popularidade do governo ou a deles próprios. No fim, acaba ficando para o presidente da República a tarefa de mediar a briga. Lula acaba de resolver uma disputa destas dentro do seu governo – e o fez da forma mais absurda possível, que terá sérias consequências para o Brasil.

Em café da manhã com jornalistas na sexta-feira, o presidente anunciou com todas as letras que não há a menor necessidade de zerar o déficit primário em 2024. "[A meta] não precisa ser zero (...) Muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que eles sabem que não vai ser cumprida”, disse Lula, acrescentando que “nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos e obras (...) A gente não precisa disso [zerar o déficit primário em 2024] (...) Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras”.

Lula vai muito além de admitir um possível fracasso; ele afirmou que o governo não vai nem mesmo tentar atingir o que ele mesmo se dispusera a perseguir, desmoralizando seu próprio arcabouço fiscal e o ministro Fernando Haddad

A fala, obviamente, foi comemorada pela ala gastadora do governo e pelas lideranças petistas, como a presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR). Ela também soou como música para muitos outros políticos, pois, no dicionário político, “gasto” e “emenda” são sinônimos. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, deputado Danilo Forte (União-CE), até criticou a declaração presidencial, mas ele e seus colegas sabem muito bem que acabam de receber um sinal verde para anabolizar o Orçamento de 2024, quem sabe até garantindo a sonhada ampliação para R$ 6 bilhões do imoral Fundo Eleitoral – até agora, os deputados consideravam a possibilidade de cortar emendas de bancada ou até mesmo tirar dinheiro de áreas como saúde, educação e segurança para custear suas campanhas com o dinheiro tirado de cidadãos e empresas.

Dentro da equipe econômica até houve insatisfação, mas publicamente o ministro Fernando Haddad parece já ter jogado a toalha. Até afirma que “a minha meta está mantida”, mas de resto limita-se a tentar apagar o incêndio com jogos de palavras, como ao dizer que “não há por parte do presidente nenhum descompromisso, pelo contrário, se não estivesse preocupado com situação fiscal, não estaria pedindo apoio da equipe econômica para orientação do Congresso”, sem dizer que a única coisa que Lula espera do Congresso é autorização para cobrar cada vez mais impostos. Ou quando afirma que “dizem que o presidente está sabotando o país. Não, o presidente está constatando os problemas advindos de decisões que podem ser reformadas e as decisões que não podem ser reformadas, serem saneadas”.

Pois Lula sabota, sim, o país ao fazer pouco caso da meta fiscal. Zerar o déficit primário, como já afirmamos em outras oportunidades, é meta ao mesmo tempo medíocre e ambiciosa. Medíocre porque nenhum governo deveria se contentar com déficit primário zero, e ambiciosa porque, dada a natureza esbanjadora do lulopetismo, cumprir uma meta como esta acabaria sendo um grande feito, conseguido só à custa de muito esforço. Até por isso já se dava como quase certo que a meta – estabelecida, aliás, não pelo “mercado ganancioso”, mas pelo próprio governo, autor da proposta de arcabouço fiscal – não seria cumprida. Mas a fala de Lula vai muito além de uma admissão do possível fracasso; ela significa que o governo não vai nem mesmo tentar atingir o que ele mesmo se dispusera a perseguir.

E aqui está a falácia populista na qual o petismo é especialista. Como já lembramos em diversas ocasiões, o discurso do gasto público ilimitado inevitavelmente vem acompanhado da ressalva de que ele tem como objetivo ajudar os pobres, um truque retórico que tenta conferir legitimidade à irresponsabilidade fiscal enquanto deixa a pecha de “insensíveis” aos que se opõem a gastança. No entanto, apenas uma parte dessa despesa adicional acaba realmente direcionada para os mais pobres; além disso, a inflação, consequência inevitável do descontrole fiscal, atinge especialmente a população de baixa renda, aquela que Lula diz estar querendo beneficiar. Enquanto ricos e boa parte da classe média têm informação e reservas suficientes para se proteger, os mais pobres veem seu poder de compra arruinado sem ter como se defender.

A rigor, ninguém pode se dizer surpreso. Estamos diante do mesmo Lula que escolheu como sua sucessora, em 2010, a ministra que havia cunhado a frase “gasto é vida”

A sabotagem não termina aí. Em várias ocasiões, o Banco Central usou dois termos importantíssimos para descrever que tipo de arcabouço fiscal ajudaria a criar as condições para que os juros pudessem cair: “sólido” e “crível”. Sólido, já se sabia que este arcabouço não é: baseia-se exclusivamente em uma elevação brutal de receitas que o governo não podia – e ainda não pode – dar como certa, além de garantir “aumento real” de gastos independentemente de como estiver a economia do país. Também já não se podia dizer que era totalmente crível, dada a dificuldade (autoimposta pelo governo, recorde-se) de atingir as metas, mas a pouca credibilidade que ainda havia acaba de ser demolida por Lula, e as expectativas para 2024 já pioraram no primeiro Boletim Focus publicado após as declarações. O próprio ministro Haddad também sai muito desmoralizado do episódio, pois nunca se sabe quais de suas próximas declarações a respeito de responsabilidade fiscal também serão dinamitadas por Lula.

A rigor, ninguém pode se dizer surpreso. Estamos diante do mesmo Lula que escolheu como sua sucessora, em 2010, a ministra que havia cunhado a frase “gasto é vida”. E seus ataques à responsabilidade fiscal durante a campanha de 2022 já haviam demonstrado que o então candidato não aprendera nada com a recessão que atingiu o Brasil durante o governo de Dilma Rousseff, mas cujos fundamentos foram construídos no fim do segundo governo Lula. Quem se iludiu acreditando que desta vez poderia ser diferente o fez por sua própria conta e risco, pois o petista não deu nenhum motivo para tal.

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