Um presente acaba de cair no colo do presidente Lula, que haverá de explorá-lo como sempre faz, ao lado de seus aliados na política e na opinião pública: a agência de classificação de risco Fitch elevou, nesta quarta-feira, a nota de crédito do Brasil, que era BB- e passou a BB. O anúncio vem pouco mais de um mês depois de outra agência, a S&P, elevar a perspectiva da nota brasileira de “estável” para “positiva”, embora não tenha mudado a nota em si. Na escala da Fitch, o Brasil fica agora a dois degraus de recuperar o “grau de investimento”, conquistado durante a primeira passagem de Lula pelo Planalto e perdido anos depois, em meio ao desastre da gestão Dilma Rousseff.
Quem se dispuser a ler sem paixões políticas os argumentos da Fitch, no entanto, encontrará poucas razões para atribuir a melhora da nota a um suposto “efeito Lula”. O comunicado menciona, por exemplo, duas “heranças benditas” do governo Jair Bolsonaro, e às quais o PT se opôs ferrenhamente: a reforma da Previdência e a autonomia do Banco Central. A atuação do BC, aliás, foi bastante elogiada pela agência: “conduziu uma política monetária prudente e proativa durante o recente choque inflacionário e manteve a taxa Selic em 13,75% desde agosto de 2022, em meio a incertezas fiscais, rigidez no núcleo da inflação e algum desvio para cima nas expectativas de alta de preços”, diz a Fitch.
A elevação da nota brasileira pela Fitch veio com algum empurrãozinho do atual governo, mas, em sua maioria, a melhoria se deve a fatores que não dependem da vontade de Lula ou até mesmo a contrariam
A agência, é verdade, também menciona dois projetos mais recentes e que podem, ao menos em parte, ser atribuídos ao impulso do atual governo: o progresso da reforma tributária, algo que, segundo a Fitch, era uma necessidade de décadas que o Brasil vivia adiando; e a apresentação de um novo arcabouço fiscal (ainda pendente de aprovação) para substituir o teto de gastos. A esse respeito, no entanto, a agência afirma que o arcabouço apresenta um limite “mais frouxo” para a elevação de gastos e “não requer muita (ou nenhuma) redução [na despesa], tornando a consolidação [fiscal] dependente de um grande esforço no aumento da receita”, ou seja: não ataca o problema do gasto público como deveria.
A bem da verdade, o que ajuda o Brasil, a julgar pelo relatório da Fitch, é o fato de Lula não conseguir fazer muito do que gostaria. Lula já atacou, por exemplo, a reforma da Previdência, a reforma trabalhista, a autonomia do BC, a privatização da Eletrobras e a atual meta de inflação; em várias ocasiões, Lula, ministros de Estado e líderes petistas já manifestaram o desejo de reverter o que fosse possível de tudo o que foi aprovado desde o impeachment de Dilma, em 2016. Mas a Fitch acredita que esse cenário é pouco provável, seja por um suposto pragmatismo do presidente, seja (o que é mais provável) pela sua impossibilidade de obter qualquer vitória desse tipo – a agência menciona, inclusive, o recuo do Planalto no caso dos decretos que desfiguravam o Marco do Saneamento.
Não há como negar que Lula tem sorte. A elevação da nota veio com algum empurrãozinho do atual governo com a reforma tributária e o arcabouço fiscal, mas, em sua maioria, a melhoria se deve a fatores que não dependem da vontade de Lula ou até mesmo a contrariam: reformas herdadas dos antecessores e um Congresso disposto a resistir a eventuais loucuras revogatórias; uma inflação que recua graças à queda nos preços das commodities; resultados extraordinários do agronegócio, que Lula demoniza sempre que pode; e a manutenção da meta de inflação, que acalmou o mercado.
O mais incrível é que esta não é a primeira vez que isso ocorre com o petista. Anos atrás, a manutenção pragmática do tripé macroeconômico herdado de Fernando Henrique Cardoso, uma elevação na demanda mundial por commodities produzidas pelo Brasil e a descoberta do pré-sal estiveram entre os fatores que garantiram ao Brasil o grau de investimento. Naquela ocasião, Lula e o PT acharam que podiam jogar no lixo a responsabilidade fiscal e, com a “nova matriz econômica”, puseram tudo a perder – embora o desastre tenha se concretizado sob Dilma, nunca se pode esquecer que ele fora gestado ainda no fim do segundo mandato de Lula. Agora, que o raio está caindo pela segunda vez no mesmo lugar, a pergunta que todos se fazem é se Lula será capaz de dar uma resposta diferente.