“Chova, troveje ou relampeje, nós vamos obter a paz econômica, a prosperidade e a estabilidade dos preços. Quero fazer isso de um jeito bom, mas se tiver que ser do ruim, me tornando um ditador para garantir os preços ao povo, eu vou fazê-lo”, disse Nicolás Maduro, em rede nacional de rádio de televisão, na última sexta-feira. Se a situação venezuelana não fosse motivo de choro e lamentação, os venezuelanos poderiam até rir de seu tiranete, que se diz disposto a até mesmo “se tornar um ditador” para conseguir conter a hiperinflação que é apenas um dos enormes males a assolar o país. Afinal, Maduro não precisa “se tornar” o que ele já é, há muito tempo.
Com o Poder Judiciário em suas mãos, Maduro recuperou também o Legislativo graças à sua ilegítima Assembleia Nacional Constituinte, convocada sem o respaldo popular (em desrespeito ao que previa a Constituição promulgada por seu antecessor, o também autoritário Hugo Chávez) com critérios duvidosos de representação, desenhados especialmente para garantir maioria ao bolivarianismo. Com isso, tirou todo o poder do parlamento eleito pelo povo no fim de 2015 e que tinha maioria oposicionista.
Os venezuelanos bem sabem que já vivem em uma ditadura
Mesmo antes de surgir a ideia de convocar uma assembleia constituinte, Maduro já havia colocado na rua sua Guarda Nacional Bolivariana e as milícias armadas chavistas para conter os protestos de rua que começaram no fim de março deste ano, quando o Tribunal Supremo de Justiça praticamente dissolveu o parlamento. A decisão foi revogada, mas a pressão popular nas ruas continuou. A repressão àquela onda de protestos e às manifestações convocadas para mostrar a revolta popular contra a nova assembleia constituinte já fez mais de uma centena de mortos.
Isso, claro, sem falar dos presos políticos e das perseguições à imprensa livre, com canais de televisão sendo fechados ou tendo seu sinal cortado no país, no caso de emissoras estrangeiras – uma prática que Maduro também herdou de Hugo Chávez. Ausência completa da separação de poderes, arbitrariedade na ação da polícia e da Justiça, restrições às liberdades de imprensa, de associação e de manifestação: se isso não é ditadura, o que mais seria?
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Maduro diz que, se preciso, vai “se tornar” ditador para poder intervir na economia do país. Mas isso é algo que tanto ele quanto Chávez já vinham fazendo há tempos. Foi o falecido ditador – sim, porque o termo também se aplica a ele – quem fez populismo econômico com a PDVSA, a estatal petrolífera do país, e iniciou a onda de expropriações que dizimou a iniciativa privada venezuelana, política seguida por Maduro. São eles os culpados pela hiperinflação e pelas constantes crises de desabastecimento que deixaram os venezuelanos com fome e desesperados, a ponto de buscarem de toda maneira cruzar as fronteiras do país com o Brasil e a Colômbia. Canetadas que congelam preços e aumentam o salário mínimo já foram usadas e fracassaram retumbantemente, mas Maduro quer insistir no modelo com a ajuda de “fiscais populares”, algo familiar a qualquer brasileiro nascido até a década de 70.
Os venezuelanos bem sabem que já vivem em uma ditadura. Boa parte da comunidade internacional também trata Maduro como ditador. Essa realidade só escapa mesmo ao próprio Maduro e a seus apoiadores na esquerda internacional – muitos dos quais no Brasil, como as lideranças do PT. Se ele finalmente se assumir como aquilo que sempre foi desde que sucedeu Hugo Chávez, certamente haverá quem relativize ditaduras sem ruborizar enquanto promove atos “em defesa da democracia”.
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