O presidente Lula prepara-se para criar a 36.ª repartição com status de ministério de seu governo a Secretaria de Ações de Longo Prazo. E deve confirmar nesta semana o nome de seu primeiro ocupante, o filósofo Mangabeira Unger, professor da Universidade de Harvard (EUA) e lustroso membro-fundador do Partido Republicano Brasileiro (PRB), ao qual pertence também o vice-presidente da República, José Alencar.
A decisão poderia parecer singela, uma rotina na gestão pública não fosse reveladora da insistência com que, principalmente no início deste seu segundo mandato, o Presidente recorre a práticas de duvidoso valor dos pontos de vista político e administrativo. São muitas as razões que nos forçam a observar o fato dessa maneira.
Sob o prisma político, vemos nele mais uma evidência do método nitidamente fisiológico com que o governo procura ampliar e sedimentar a maioria que acredita ser necessário manter no Congresso para impor-lhe suas vontades. Ao arregimentar Mangabeira para o seu gabinete, Lula aumenta a participação do PRB na coalizão partidária e compromete sua bancada nas votações de projetos e outros interesses do Executivo, especialmente na Câmara.
Não é coisa nova. A lenta formação do ministério deu-se exatamente sob essa mesma ótica. Além do partido oficial do governo, o PT, faz parte do gabinete quase toda a chusma de siglas da constelação partidária, pequenas ou grandes, do gigante PMDB aos esquálidos PDT e PSB. Não importa se as diretrizes programáticas próprias de cada agremiação coincidem ou não com as do governo, assim como nem mesmo interessa o comportamento que tiveram, os novos ministros, durante a campanha que levou Lula ao seu segundo mandato.
É o caso de Mangabeira Unger, ácido crítico do governo e da pessoa de Lula, a quem o professor, em artigo de grande repercussão publicado na imprensa nacional no ano passado, acusou de ser o mais corrupto de todos os presidentes da história do país. Assim como Unger, foi também elevado à condição ministerial outro antigo e mordaz oposicionista, o deputado baiano Geddel Vieira Lima, novo ocupante da pasta da Integração Nacional. Em ambos os casos, acresça-se a distância político-ideológica que os separa do perfil político que alicerçou a ascensão de Lula e do petismo ao poder.
Vê-se, pois, que a coerência da multiplicação e da divisão dos postos de comando está exatamente na falta de coerência. Essa constatação confirma o critério meramente fisiológico que inspira a constituição do gabinete, ao qual se quer dar a roupagem nobre de uma coalizão representativa das diversas tendências políticas nacionais, a exemplo do que ocorre nas grandes democracias. Definitivamente, não é essa a visão nem mesmo a mais benevolente que se vislumbra a partir da planície.
Do ponto de vista administrativo, soa igualmente estranha a criação da Secretaria de Ações de Longo Prazo. Pelo nome, é correto imaginar-se que se trata de uma estrutura voltada para perscrutar profundamente o futuro e propor, com a antecipação devida, projetos destinados a preparar o país para enfrentar desafios vindouros. O que significa que, na verdade, deve se tratar de uma superposição desnecessária ao Ministério do Planejamento, pois essa é também a função dessa tradicional pasta.
Mais uma superposição, como as tantas outras que foram criadas e instaladas desde o primeiro governo Lula. Já existem, para citar apenas um exemplo, dois ministérios para tratar de agricultura o secular Ministério da Agricultura e o recentemente criado Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tratam de maneiras diferentes e contraditórias de políticas agrícolas que deveriam primar pela unicidade.
Diante de tantas incongruências, resta-nos, no entanto, a esperança suscitada pela novidade da Secretaria de Ações de Longo Prazo a de que, finalmente, se restabeleça a importância do planejamento estratégico como instrumento objetivo e conseqüente de ordenação da ação governamental. Nesse caso, seria de se pensar se o nome de Mangabeira Unger seria o mais adequado para a missão e então voltaríamos ao ponto de partida.