Em poucos dias, os brasileiros foram às ruas duas vezes em defesa da vida humana mais indefesa e inocente, a do nascituro ainda no ventre da mãe. No domingo, dia 8, e na quinta-feira, dia 12 – respectivamente, Dia Nacional do Nascituro e Dia das Crianças –, manifestações em favor da vida e contra a legalização do aborto foram registradas em cerca de uma centena de cidades brasileiras, incluindo várias que não constavam da programação original dos eventos. A organização esperava uma participação maior, mas não há como descartar o clima de desmobilização criado pelo Supremo Tribunal Federal quando, na esteira dos atos de 8 de janeiro, chegou a abolir o direito constitucional à manifestação em uma decisão vaga, sem duração pré-determinada.
A cautela se justificava, pois a grande preocupação dos manifestantes pró-vida tem relação com o ativismo judicial promovido pela corte. Os organizadores, de forma prudente, pediram que se evitassem críticas diretas ao Supremo ou ao governo Lula, como forma de despolitizar o evento, mas a associação é inevitável. Afinal, o Brasil nunca esteve tão perto de ver o aborto legalizado no país, e isso graças ao Poder Judiciário. Em seus últimos dias como ministra do STF, e na qualidade de presidente do tribunal, Rosa Weber havia pautado o julgamento da ADPF 442 e deixou registrado um voto tão extenso quanto falacioso, em que atendia o pedido pela legalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação, mas usando argumentos que, levados às últimas consequências, serviriam para justificar a prática em qualquer momento da gravidez.
A perspectiva de que o ativismo judicial se estenda à questão do aborto reforça a necessidade de o Legislativo acelerar os esforços que cristalizem na lei brasileira a proteção da vida humana ainda por nascer
O julgamento foi interrompido por um destaque do ministro Luís Roberto Barroso, que sucedeu Rosa Weber na presidência da corte, é talvez o maior defensor do suposto “direito ao aborto” dentro do Supremo, e anunciou que não deverá pautar a continuação deste julgamento no futuro próximo, com a justificativa de que “esse é um tema que ainda precisa de mais debate na sociedade”, como afirmou a mais de um veículo de imprensa. Líderes pró-vida apontaram a insatisfação popular como uma das causas deste recuo de Barroso. “Foi exatamente esta movimentação popular que fez o próprio STF repensar a pauta. E isto já é um resultado incrível: o STF entendeu o recado do povo mesmo antes de chegarmos às ruas hoje”, disse o coordenador nacional da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, Lúcio Flávio Rocha, na quinta-feira.
Que a maior parte da população brasileira é contrária à legalização do aborto é algo atestado em inúmeras pesquisas de opinião, feitas também nos dias que antecederam o voto de Rosa Weber na ADPF 442. Mas nos permitimos um certo ceticismo em relação à estratégia de Barroso. Em várias ocasiões, o ministro já deixou evidente que a opinião popular – inclusive quando refletida no parlamento eleito pelo povo – nada importa para ele. Ao tomar posse como presidente da corte, ele repetiu seu mantra sobre a importância de o Supremo “empurrar a história na direção certa”, e não há dúvida alguma de que, para Barroso, a “direção certa” inclui a legalização do aborto. É bastante razoável imaginar que um dos maiores entusiastas da legalização não quis levar adiante o julgamento por saber que ainda não tem os seis votos necessários para que a ADPF 442 seja aceita, e que só colocará o tema em pauta novamente quando tiver certeza de que sua posição será a vencedora. Para isso, precisará convencer um ou mais dos atuais membros da corte, já que o futuro ocupante da cadeira que era de Rosa Weber, seja quem for, não poderá votar nesta ação.
Essa perspectiva reforça a necessidade de o Legislativo acelerar os esforços que cristalizem na lei brasileira a proteção da vida humana ainda por nascer. Se em 1988 o constituinte acabou deixando de fora a expressão “desde a concepção” na referência ao direito à vida, por julgar que ela já estava implícita, a expansão do abortismo nos escalões superiores do poder nacional torna essa explicitação bastante necessária no momento presente. Também é preciso fazer avançar projetos como o Estatuto do Nascituro, e propor ainda outros que sigam a linha proposta recentemente pelo think tank conservador norte-americano Centro de Ética e Políticas Públicas (EPPC), de reforço dos laços familiares e criação de uma rede legal de apoio às famílias, especialmente às mães, para que o aborto torne-se algo não só ilegal, mas impensável, mostrando mesmo às gestantes mais vulneráveis e desesperadas que a sociedade e o Estado estão dispostos a ampará-las e a proteger as duas vidas em jogo. O povo já se fez ouvir; é hora de seus representantes no Legislativo responderem à altura.