O bárbaro ataque terrorista do Hamas, que deixou centenas de mortos e milhares de feridos em Israel, além de fazer mais de 100 reféns, expôs o pior lado dos extremistas islâmicos, mas não só deles. Embora o repúdio veemente às ações do grupo palestino tenha sido muito mais numeroso, ao menos no ocidente democrático, temos presenciado com assombro várias manifestações de apoio ao Hamas. E aqui é preciso chamar a atenção do leitor: não estamos nos referindo a atos em favor de uma “Palestina livre”, ou da defesa da solução de dois Estados como forma de resolver a questão palestina, uma plataforma perfeitamente razoável, concorde-se ou não com ela; falamos do apoio explícito ao Hamas, mesmo depois de todas as atrocidades cometidas no último fim de semana.
Afinal, trata-se de um grupo que habitualmente dispara foguetes a esmo contra cidades israelenses e que, neste fim de semana, promoveu um massacre, fuzilando indiscriminadamente centenas de pessoas que participavam de uma festa; decapitou dezenas de bebês em um kibutz; exibiu como troféu o corpo despido de uma alemã, vítima do ataque; sequestrou famílias judias inteiras para usá-las como escudos humanos – o que, aliás, o Hamas também faz com os próprios civis palestinos ao posicionar suas bases em áreas urbanas densamente povoadas, colocando toda uma população na linha de tiro quando israelenses agem para eliminar a ameaça terrorista. Mesmo quem considera que Hamas e Israel estão em guerra há de reconhecer que a humanidade levou séculos para definir o que é aceitável e o que é intolerável em uma situação de beligerância, e que massacres e sequestros de civis certamente não estão entre os atos tolerados. Não se trata, portanto, de “atos de guerra”, mas da barbárie em estado puro.
Quem segue apoiando o Hamas depois deste fim de semana está validando o que ninguém que tenha um pingo de decência validaria
Mesmo assim, fiéis a uma tradição de exaltação da “violência revolucionária” que nasceu junto com o próprio marxismo – com o ingrediente adicional do antissemitismo, neste caso – e que hoje tem seus expoentes em intelectuais como Slavoj Žižek, os esquerdistas brasileiros seguem abraçando o Hamas mesmo depois que as cenas do terror islâmico rodaram o mundo. O PCO falou em “dia histórico” e “resistência heroica”; uma deputada estadual do PSol gaúcho comparou os atos terroristas ao levante do Gueto de Varsóvia, em 1943; um escritor (que até terça-feira tinha cargo de assessor parlamentar no Congresso) zombou de uma refém judia, violentada pelos terroristas; partidos, entidades sindicais e movimentos sociais foram às ruas em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro para declarar apoio ao Hamas. Insistimos: não são meras manifestações em defesa de um Estado palestino livre; a pauta é o apoio explícito a um grupo terrorista que acaba de promover uma série de massacres.
Em muitas ocasiões, ressaltamos a falta de cultura democrática por parte de quem legitima ações como vandalismo, bloqueios de estradas e invasões de plenários legislativos e prédios públicos, mesmo que suas pautas sejam razoáveis e até nobres. Fazer a apologia escancarada a um grupo terrorista, perpetrador de barbáries, no entanto, é descer muitos outros degraus rumo ao abismo moral. Quem segue apoiando o Hamas depois deste fim de semana está validando o que ninguém que tenha um pingo de decência validaria; está não apenas tolerando o intolerável, mas considerando que os métodos bárbaros do Hamas são legítimos e até necessários, podendo, quem sabe, ser usados em outros lugares, em outras circunstâncias; está defendendo não um “discurso de ódio” inventado para calar vozes das quais se discorda, mas um ódio real e desumanizador de todo um povo, tornado realidade em ações de selvageria.
As manifestações de apoio ao Hamas entre brasileiros não são uma bizarrice que podemos descartar como extravagância de quem vive preso a ideologias jurássicas; são a prova real de que temos, entre nós, quem defenda e legitime a “violência revolucionária” concretizada em massacres indiscriminados de civis inocentes, e talvez não hesitasse em empregá-la se julgasse haver necessidade de fazê-lo. É uma postura a que a sociedade brasileira tem de responder não com indiferença ou espanto, mas com repúdio firme, para que as sementes da intolerância não finquem raízes no solo de uma nação pautada pela convivência pacífica entre muitos povos, incluindo judeus e árabes.