Depois das manifestações do dia 15 contra Jair Bolsonaro, tendo como pretexto as alterações no orçamento das universidades federais, neste domingo, dia 26, estão previstos em todo o país atos de apoio ao presidente e sua plataforma de reformas, propagados pelas mídias sociais e motivados por uma percepção de que o programa escolhido pelo povo nas urnas corre o risco de fracassar, principalmente no Congresso Nacional, onde o governo encontra resistências.
A democracia não se faz apenas com a ida periódica do povo às urnas – o que, no Brasil, ocorre a cada dois anos. A participação em associações que defendem determinadas plataformas ou grupos, a atividade em fóruns como as próprias mídias sociais e, claro, a presença multitudinária da população em protestos ou manifestações são sintomas de uma sociedade atenta e que se preocupa com os rumos de sua cidade, estado ou país. Grandes manifestações entraram para a história do país, como as Diretas Já, o Fora Collor, as jornadas de junho de 2013 e os protestos contra Dilma Rousseff e o PT em 2015. E a pressão popular rende frutos: a PEC que retiraria o poder de investigação do Ministério Público naufragou em 2013, e as grandes manifestações contra o PT iniciaram o processo que culminaria no impeachment de Dilma, que cometeu crime de responsabilidade com as “pedaladas fiscais”. A mera perspectiva de uma presença maciça no dia 26 levou os deputados a recuar em alguns pontos da análise da medida provisória que reestrutura a Esplanada dos Ministérios.
Por isso, não há como ver inconveniente algum se a população vai às ruas em defesa da reforma da Previdência, do pacote anticrime elaborado pelo ministro Sergio Moro, da CPI “Lava Toga” e da manutenção da reforma do Executivo feita por Jair Bolsonaro no início de seu governo. A defesa de tais pautas, evidentemente, traz embutidas críticas, especialmente ao comportamento do “Centrão”, que impõe resistências às plataformas de Bolsonaro; e ao ativismo judicial de membros do Supremo Tribunal Federal, que várias vezes tomam para si o papel de legisladores. Críticas, lembre-se, perfeitamente legítimas.
Que a população vá às ruas pelas reformas é democrático. E o compromisso com a democracia passa também pela rejeição ao radicalismo de quem pretende um “poder popular” que atropele as instituições
No entanto, é altamente preocupante que, até chegar a essa pauta “positiva” em torno de reformas que realmente são necessárias, os organizadores tenham precisado realizar um enorme trabalho de depuração em algo que nasceu como um ataque generalizado às instituições, especialmente os poderes Legislativo e Judiciário. Condenar o fisiologismo é uma coisa; pedir o fechamento do Congresso, outra completamente diferente. Criticar o ativismo judicial é legítimo; ir às ruas pelo fechamento do Supremo é sumamente grave. É simplesmente inaceitável que uma manifestação popular peça esse tipo de ruptura institucional, ainda que se discorde veementemente das decisões que emanam de um poder da República.
Haverá, no domingo, quem entre na manifestação com tais pedidos antidemocráticos? É possível que sim, da mesma forma como, nos protestos contra o PT, havia a ala que pedia por um golpe militar – e os adversários do governo certamente se aproveitarão disso, tentando fazer o todo passar pela parte, como já ocorreu em 2015. Por isso, é preciso que a maioria que estiver nas ruas pelas reformas repudie com firmeza os defensores de soluções autoritárias e manifeste seu compromisso com a estabilidade democrática. Felizmente, o presidente Bolsonaro já contribuiu para desqualificar os radicais quando, em café da manhã com jornalistas na quinta-feira, disse que “quem defende o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional está na manifestação errada”.
Outro fator que causa apreensão é a participação de integrantes do governo, de lideranças do PSL e dos próprios filhos do presidente Bolsonaro no estímulo à participação popular na manifestação, ao contrário do que ocorreu em 2015, quando movimentos de rua apartidários estiveram na linha de frente. O que, afinal, se deseja? Apenas mobilizar a população em torno das reformas que, repetimos, são necessárias para o país? Ou o governo, diante das suas dificuldades de articulação – e, aqui, não usamos o termo como sinônimo de toma-lá-dá-cá, mas como o necessário trabalho de diálogo com quem tem a função de legislar –, estaria apelando para a pressão popular como forma de conseguir pelo grito o que não consegue pela negociação? Em qualquer dos casos, trata-se de aposta arriscada. Uma participação abaixo do esperado poderia ser lida como uma senha para que a ala fisiológica do Congresso reforçasse seus métodos, ameaçando inviabilizar as reformas se não for atendida.
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Por isso, as manifestações deste domingo não são consenso entre apoiadores de Bolsonaro – nem mesmo dentro de seu partido – e outros líderes e pensadores associados a posições “de direita” ou “conservadoras”, imediatamente transformados em traidores por uma ala radical do bolsonarismo que parece incapaz de aceitar um postulado básico do próprio conservadorismo: o respeito pela liberdade das pessoas em ter suas opiniões. Para esse grupo, um autêntico direitista ou conservador precisaria dar sua aprovação acrítica a tudo o que o presidente fizesse ou dissesse, com o devido “expurgo” de quem ousasse oferecer um contraponto. Uma mentalidade que serve apenas para queimar pontes com todos aqueles que, em outras circunstâncias, seriam valiosos aliados.
O Brasil precisa das reformas, disso não há dúvida. Que a população vá às ruas por elas é democrático. E o compromisso com a democracia passa também pela rejeição ao radicalismo de quem pretende um “poder popular” que atropele as instituições. Se é verdade que o artigo 1.º da Constituição diz que “todo o poder emana do povo”, também é verdade que a Carta Magna completa a frase dizendo que o povo exerce esse poder “por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” – ou seja, sem desrespeito à ordem institucional. Que isso fique bem claro neste domingo.
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