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editorial

Maquiagem como hábito

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) são dois órgãos que construíram uma reputação de excelência e independência ao longo de décadas. Mesmo sendo vinculados ao Poder Executivo, nunca deixaram de divulgar seus dados e pesquisas, por mais incômodos que fossem. Mas isso parece estar no passado. O depoimento de um dos ex-diretores do Ipea, Herton Araújo, à Justiça Eleitoral, feito no fim de maio e divulgado recentemente pelo jornal Folha de S.Paulo, mostra que, durante a campanha presidencial de 2014, os brasileiros ficaram sem acesso a informações importantes por pura interferência política e conveniência eleitoral.

Araújo era diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea quando chegaram às suas mãos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) indicando que o número de miseráveis havia subido 3,7% no Brasil em 2013. Em seu depoimento, ele disse ter procurado o presidente do órgão e recebeu a notícia de que “não poderia falar com a imprensa por causa da lei eleitoral” – embora o mesmo tipo de dado tivesse sido divulgado durante a campanha eleitoral de 2010 sem questionamento algum. Araújo ainda afirmou ter recebido e-mail de um outro diretor, que lamentava: “Eu estou com um monte de produto aqui que eu estou querendo divulgar e foi pedido para a gente divulgar só depois das eleições”. Em 17 de outubro, Araújo pediu demissão. Poucos dias após a reeleição de Dilma, o número sobre o aumento de miseráveis foi divulgado pelo instituto, com pouco alarde.

O arsenal de truques para iludir a população e outros agentes, como o mercado financeiro, parece infindável

O número que Araújo disse ter sido impedido de publicar representava, segundo ele próprio, uma variação “marginal” no índice de pobreza – de 10,08 milhões de pessoas em 2012 para 10,45 milhões em 2013. Não seria nada que desabonasse ou colocasse por terra o discurso petista sobre o grande contingente de brasileiros retirados da miséria ou da pobreza. Mas a presidente-candidata estava empenhada em negar completamente a realidade de um país em dificuldades econômicas, pintar um quadro cor-de-rosa sobre um Brasil em crescimento, no qual tudo ia bem. Qualquer tentativa de seus adversários de apontar para os reais problemas que o país já enfrentava era desprezada como catastrofismo e “terrorismo eleitoral”. Para o estelionato eleitoral que Dilma Rousseff pretendia aplicar nos brasileiros, mesmo variações pequenas, mas negativas, nos indicadores eram inconvenientes. Melhor esconder tudo de uma vez.

Esse não foi o único indicador cuja divulgação foi vetada antes das eleições. Dados sobre arrecadação tributária e resultados detalhados do Ideb tiveram o mesmo destino. E, no início de 2014, houve intensa mobilização parlamentar contra a publicação de dados da Pnad contínua que mostrariam um aumento do desemprego, o que provocou pedidos de demissão e manifesto de membros do corpo técnico do IBGE. Também é amplamente conhecido o fato de que, assim que o economista Márcio Pochmann assumiu o Ipea, em 2007, grandes nomes do instituto começaram a ser afastados por não se alinharem ao pensamento lulopetista, como Fábio Giambiagi, Regis Bonelli e Otávio Tourinho. Pochmann (que deixou o Ipea em 2012) negou que estivesse havendo um “expurgo” e alegou questões administrativas para a saída dos economistas, mas as características da “reformulação” do Ipea tornaram suas afirmações pouco convincentes.

A maquiagem de dados se tornou um hábito. Quando não são os dados do IBGE ou do Ipea, é a “criatividade contábil”, são as “pedaladas”, enfim, o arsenal de truques para iludir a população e outros agentes, como o mercado financeiro, parece infindável. Com isso, o governo tem um benefício breve, mas insignificante perto do dano de médio e longo prazo que isso causa à credibilidade do país e de seus órgãos de pesquisa.

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