Já se vão quase 30 anos desde que o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, disse a um jornalista, enquanto se preparava para uma entrada ao vivo em um telejornal, que “eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. Apesar de a frase ter sido dita fora do ar, ela foi captada por telespectadores que tinham antena parabólica, e Ricupero entregou o cargo ao então presidente, Itamar Franco, dias depois. Mas, ao que tudo indica, este espírito segue vivo, e o mote deve ganhar sobrevida no IBGE de Márcio Pochmann, o ideólogo radical de esquerda escolhido por Lula em julho para gerenciar a produção e divulgação de estatísticas sobre vários temas, inclusive a economia nacional.
Na semana passada, ao empossar Daniel Castro – que já havia trabalhado sob Pochmann no Ipea, durante os governos Lula 2 e Dilma 1 – como coordenador do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI), Pochmann disse não gostar do modelo atual de divulgação de dados, em que jornalistas são recebidos para entrevistas coletivas com técnicos do órgão, capazes de explicar e destrinchar os números e responder às perguntas (às vezes incômodas) da imprensa. “A comunicação do passado era aquela que (sic) o IBGE produzia as informações e os dados, fazia uma coletiva e transferia a responsabilidade para o grande público através dos meios de comunicação tradicional (sic). Isso ficou para trás”, disse o presidente do IBGE, sem esconder aquela hostilidade tão característica do petismo em relação aos veículos de comunicação.
Presidente do IBGE não gosta das entrevistas coletivas com técnicos do órgão para divulgar dados e elogia a China, país que interrompe a publicação de estatísticas quando elas se tornam incômodas
Pochmann já tomou uma atitude prática neste sentido: a área de Comunicação Social, que era uma coordenadoria autônoma, irá para o guarda-chuva do CDDI de Daniel Castro. Embora não tenha afirmado com detalhes o que viria no lugar dessa “comunicação do passado”, a dupla acenou para o uso das plataformas próprias do IBGE e os perfis do órgão nas mídias sociais, embora ambos os meios já sejam usados. O objetivo, afirmou Castro, é “chegar na Dona Maria e o Seu João diretamente”, como se todos os brasileiros, independentemente da faixa de renda, fossem usuários pesados de mídias sociais e não recorressem, por exemplo, à televisão para ter acesso ao noticiário, até para compreender melhor o que dizem os números levantados pelo IBGE. Além disso, essa ênfase no desprezo pela intermediação da imprensa deixa subentendidas outras intenções.
No discurso de posse de Castro, Pochmann ainda afirmou que, com “o deslocamento do centro dinâmico do mundo para o oriente, já não está perceptível (sic) as melhores soluções apenas no ocidente. O oriente também traz informações” – mais especificamente, a China, já que os presidentes do IBGE e do Instituto Nacional de Estatística chinês estiveram juntos em setembro. Talvez as “melhores soluções” que Pochmann tenha ido buscar no gigante asiático incluam a suspensão da divulgação de informações incômodas, como os números do desemprego juvenil, que vinha subindo mês após mês até que a publicação do dado foi interrompida em agosto. Da mesma forma, as estatísticas chinesas sobre a Covid-19, especialmente quanto às mortes, foram alvo de crítica praticamente desde o início da pandemia, sendo consideradas nada confiáveis.
Pochmann nem precisaria ter ido tão longe para buscar esse tipo de inspiração. O Indec argentino sob Cristina Kirchner manipulou os números da economia tão pesadamente que por vários anos a revista The Economist se recusou a publicar os dados oficiais. E o próprio Pochmann, a julgar por relatos de sua passagem pelo Ipea, já vinha colocando em prática o lema de faturar sobre o que é bom e esconder o que é ruim: por ocasião da escolha de Pochmann para o IBGE, o ex-gerente de área Paulo Tafner afirmou ao jornal O Estado de S.Paulo que a prática corrente no órgão era engavetar estudos com conclusões desagradáveis e publicar rapidamente os que reforçaram as narrativas petistas. Nesta toada, o que “ficará para trás” não será o estilo de comunicação do IBGE, mas a sua credibilidade.
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