O órgão governamental responsável por algumas das estatísticas mais importantes do país, que orientam inclusive a elaboração de políticas públicas, estará nas mãos de um ideólogo radical. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mede, por exemplo, indicadores como PIB, inflação e desemprego, será comandado pelo economista petista Márcio Pochmann. A escolha foi de Lula, que a empurrou goela abaixo da ministra Simone Tebet, do Planejamento, pasta à qual o IBGE é vinculado; a ela restou simplesmente dizer que sabia da intenção do presidente de apontar um nome e que, seja quem fosse o escolhido, ela acataria a indicação sem questionar. Sem um cargo público para manter, a economista Elena Landau, que “fez o L” no segundo turno depois de ter elaborado o programa econômico da campanha de Tebet, não economizou palavras: “é um dia de luto para a estatística brasileira”.
Landau e outros economistas que declararam voto em Lula no segundo turno e agora criticam a nomeação de Pochmann – caso de Edmar Bacha, que se disse “ofendido como ex-presidente do IBGE” – não podem alegar ignorância, pois sabiam (ou ao menos deveriam saber) muito bem que é prática corrente do PT rebaixar as instituições de Estado a puxadinhos do partido e de sua ideologia. Mas estão certíssimos na crítica, pois a passagem anterior de Pochmann por um cargo semelhante, a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2007 e 2012, dá todos os motivos possíveis para preocupação.
O principal órgão de estatística do país está entregue a alguém que tem posições jurássicas e já demonstrou que, com uma caneta na mão, não hesita em usá-la para fazer a realidade se dobrar à ideologia
“Ele [Pochmann] demitiu técnicos da maior qualidade, interferia nas pesquisas, por uma razão puramente ideológica”, resumiu Elena Landau. Ela se refere ao miniexpurgo promovido por Pochmann poucos meses depois de assumir o Ipea, quando rolaram as cabeças de Fabio Giambiagi, Otávio Tourinho, Regis Bonelli e Gervásio Rezende, todos bastante qualificados, mas com visão econômica divergente daquela do petista. Dois anos depois, em 2009, o Ipea contratou 62 pesquisadores por meio de um concurso amplamente percebido como enviesado ideologicamente, feito sob medida para privilegiar quem tivesse um olhar mais alinhado com aquele de Pochmann e do PT. Um ex-chefe de área do Ipea, Paulo Tafner, afirmou ao jornal O Estado de S.Paulo que, durante aquela gestão, textos com conclusões “desagradáveis” eram engavetados, enquanto os simpáticos às políticas do governo eram rapidamente publicados. O trabalho de Pochmann à frente do Ipea ajudaria a lançar as bases do que ficaria conhecido depois como “nova matriz econômica”, que quebraria o Brasil no segundo mandato de Dilma Rousseff.
Pochmann deixou o Ipea em 2012 para tentar cargos eletivos, falhando em todas as tentativas (prefeito de Campinas em 2012 e 2016, deputado federal em 2018); mesmo longe do poder, continuou defendendo retrocessos e absurdos. Criticou a reforma da Previdência, a reforma trabalhista e até o Pix; propôs uma irreal jornada de trabalho de 12 horas semanais; e defendeu uma alíquota de 50% de Imposto de Renda Pessoa Física para quem recebesse mais de R$ 50 mil mensais. Em resumo, o principal órgão de estatística do país está entregue a alguém que tem posições jurássicas e já demonstrou que, com uma caneta na mão, não hesita em usá-la para fazer a realidade se dobrar à ideologia.
“Quem garante que ele não vai fazer isso [o que fez no Ipea] no IBGE?”, perguntou Elena Landau. Seu colega Edmar Bacha afirmou que Pochmann “não terá problema de colocar o IBGE a serviço dessa ideologia, como fez no Ipea”. Paulo Tafner foi ainda mais específico: “Não duvido que o cálculo da inflação seja alterado para fazer contraposição ao Banco Central”, disse. O temor refletido nessas afirmações é o de que o IBGE se torne um novo Indec. O órgão estatal de estatísticas argentino caprichou tanto na manipulação de dados durante a década passada que a revista britânica The Economist deixou de publicar os números oficiais da inflação argentina entre 2012 e 2017 por não considerá-los confiáveis – a suspensão se deu quando a Argentina era governada pela esquerdista Cristina Kirchner, e o retorno ocorreu já sob a presidência de Mauricio Macri. O fato de economistas que apoiaram Lula estarem questionando a futura credibilidade do IBGE antes mesmo que Pochmann seja empossado mostra que ele terá de se esforçar muito para comprovar que o órgão seguirá merecendo confiança.