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| Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Neste país onde as instituições passam por testes de estresse cada vez mais frequentes, o ministro Marco Aurélio Mello foi responsável por mergulhar o país, por algumas horas, na insegurança jurídica com potenciais consequências trágicas, ao conceder liminar ordenando a soltura de todos os que se encontravam presos após condenação em segunda instância, mas sem o trânsito em julgado da sentença. E, por “todos”, o ministro realmente quis dizer todos: assassinos, estupradores, traficantes, corruptos, o que fosse, ganhariam as ruas graças à vontade suprema de um único ministro – só ficaria na cadeia quem estivesse preso preventivamente –, erro que foi consertado no início da noite por decisão do presidente do STF, Dias Toffoli. 

O episódio é mais um na série em que ministros do Supremo colocam a própria vontade acima de qualquer outra consideração ou do espírito de colegialidade que deveria pautar a corte. Marco Aurélio passara o ano insistido para que as ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) que tratam da execução da pena após condenação em segunda instância fossem julgadas, e Toffoli atendeu seu pedido, marcando o julgamento para abril de 2019. Isso não foi suficiente para o espírito autocrata do ministro, que, na quarta-feira, atendendo a um pedido do PCdoB, concedeu a liminar que colocaria na rua os condenados em segunda instância que aguardavam o julgamento de seus recursos. 

Essa decisão, que promoveria um autêntico “indulto de Natal” na véspera do início do recesso judiciário, colocando a vontade de Marco Aurélio acima de todos os outros poderes, tinha o potencial de jogar o país no caos. E que não se diga que Marco Aurélio não sabia o que estava fazendo. Ele levou ao extremo o superpoder que tantos outros ministros do Supremo já exerceram antes dele, com decisões monocráticas que atropelam o bom senso e passam por cima da própria instituição de que faz parte.

A pretensão de governar sozinho por meio da canetada é um desafio às instituições

Marco Aurélio contrariou a própria jurisprudência do Supremo, que por três ocasiões diferentes, em 2016, decidira que o início da execução da pena após decisão de segunda instância era constitucional, retomando o entendimento que sempre vigorou no país, com exceção de um período de sete anos entre 2009 e 2016. Desrespeitou, ainda, o presidente da corte, Dias Toffoli, que já tinha marcado o julgamento das ações das quais Marco Aurélio é o relator. O próprio texto da liminar mostrava o desprezo que o ministro tem pela corte quando, por exemplo, usava do sarcasmo para dizer que “de qualquer forma, está-se no Supremo, última trincheira da cidadania, se é que continua sendo” (destaque nosso), isso logo depois de se referir a “pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante”, para descrever as três decisões do plenário do STF a respeito do tema. Ora, se a voz colegiada de todos os ministros “não tem efeito vinculante”, o que poderá ter? A resposta de Marco Aurélio parece ser “a minha voz”, ou, no máximo, “apenas as decisões colegiadas que concordem comigo”.

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No entanto, tratar da liminar de Marco Aurélio apenas pelo ângulo do respeito à jurisprudência e à colegialidade é muito pouco. As consequências da decisão seriam trágicas para toda a sociedade. Ela devolveria à rua bandidos condenados, inclusive por crimes contra a vida, em um país onde a regra é a impunidade, onde apenas uma fração mínima dos crimes é elucidada e uma fração ainda menor dos autores desses crimes efetivamente paga por eles. A liminar de Marco Aurélio colaborava com esse cenário, fazia o crime compensar um pouco mais, entregava de bandeja aos criminosos a possibilidade da liberdade mediante recursos infinitos, quando não por meio da prescrição.

A pretensão de – diga-se com todas as letras – governar sozinho por meio da canetada, e que não é exclusiva de Marco Aurélio, é um desafio às instituições democráticas. Nesta quarta, a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi ágil: recorreu alegando justamente o risco de “grave lesão à ordem” decorrido da soltura de dezenas de milhares de criminosos. Diante da escolha entre a convicção pessoal – Toffoli é favorável à execução da pena apenas após condenação no Superior Tribunal de Justiça, uma jabuticaba da qual teremos de tratar em outra ocasião – e o respeito ao Estado Democrático de Direito e à dignidade do tribunal que preside, Toffoli felizmente escolheu o lado das instituições. De fato: ou no Brasil valem a lei e a jurisprudência definida colegialmente pelo STF, ou viveremos em uma república bananeira onde a vontade de um único indivíduo ganha ares de imposição ditatorial, onde em vez de um Supremo Tribunal temos Supremos Indivíduos sempre prontos a estressar o país.

(Texto atualizado às 20h20 de 19/12 com a informação da revogação da liminar pelo presidente do STF, Dias Toffoli)

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