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Editorial

Os “donos da verdade” partem para o ataque contra Mark Zuckerberg

Mark Zuckerberg
Mark Zuckerberg, CEO da Meta, em audiência no Congresso dos Estados Unidos em janeiro de 2024. (Foto: Tasos Katopodis/EFE/EPA)

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Uma situação classificada como “extremamente grave” pelo próprio presidente Lula motivou a convocação de uma reunião no Palácio do Planalto, realizada na sexta-feira. Que emergência seria essa? A dívida pública, que continua em trajetória de disparada? A inflação, que fechou 2024 acima do limite máximo de tolerância da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional? A segurança pública, com turistas mortos à bala em favelas cariocas onde a polícia é impedida de entrar? A dengue, que deve voltar a ser uma ameaça neste verão depois dos recordes de casos e mortes em 2024? Não: o grande problema do momento é a mudança nas políticas de moderação de conteúdo de Facebook e Instagram, anunciada dias atrás pelo CEO da Meta, Mark Zuckerberg.

Como afirmou em seus perfis o colunista da Gazeta Roberto Motta, “se a maior preocupação de um governo é o Facebook, então ou está tudo uma maravilha, ou está tudo perdido”. Como a lista de problemas do parágrafo anterior é real, a resposta surge por eliminação. Mas Lula tem suas razões para se preocupar com as alterações, pois as redes sociais da Meta vinham sendo aliadas muito convenientes na supressão do discurso conservador e de oposição ao governo. O petismo e a esquerda identitária nunca conseguiram esconder o desejo de controlar o que pode ser dito on-line, no máximo camuflando-o sob o pretexto de “regulação” das mídias sociais.

O CEO da Meta atingiu um nervo sensível no vasto organismo de censura atualmente em funcionamento no país

E o destempero na reação de membros do governo e de seus apoiadores na opinião pública mostra como eles sentiram o golpe. As alusões ao “fascismo” – a que os brasileiros já estão acostumados, pois o termo é usado para designar tudo e todos de quem a esquerda não gosta – são superadas apenas por um discurso apocalíptico que não resistiria a uma boa checagem de fatos. Afinal, Zuckerberg não afirmou que as redes sociais da Meta eliminarão qualquer moderação, o que, por exemplo, deixaria o caminho livre para a publicação de mensagens criminosas; o que o bilionário prometeu foi a troca dos checadores (que não deixarão de existir e poderão continuar a fazer livremente seu trabalho) pelas Notas da Comunidade para garantir a liberdade de expressão em temas nos quais a discussão comporta inúmeras opiniões lícitas, de forma que a moderação se concentre em eliminar o que de fato viola as leis de um país, e não qualquer opinião que destoe do Zeitgeist. Essa liberdade é anátema para a esquerda, que adora criminalizar “discursos de ódio” que não passam de opiniões legítimas sobre vários temas (Zuckerberg mencionou explicitamente imigração e gênero), mas de viés conservador.

Em resumo, as mídias sociais de Mark Zuckerberg não devem se tornar “terra sem lei” com a mudança – que, em um país verdadeiramente democrático, nem deveria se tornar motivo de questionamento do Ministério Público Federal ou da Advocacia-Geral da União, já que não há lei obrigando as mídias sociais a usar agências de checagem para colaborar na moderação de conteúdo. “Terra sem lei” é uma das expressões favoritas do censor-mor do Brasil, o ministro do STF Alexandre de Moraes, que também a empregou ao falar das mudanças adotadas pela Meta – e que, por enquanto, se aplicam apenas aos Estados Unidos, como afirmou Zuckerberg. “No Brasil, [as redes sociais] só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira. Independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs”, disse Moraes no dia 8.

Até onde se sabe, nem Mark Zuckerberg, nem o Facebook nem o Instagram estarão desrespeitando a legislação brasileira se as alterações prometidas por ele vierem a ser aplicadas no Brasil – ao menos enquanto vigorar a redação atual do Marco Civil da Internet. Mas há uma ironia perversa quando o respeito à lei é invocado exatamente por quem mais tem agido contra legem no Brasil quando o assunto é a liberdade de expressão nas mídias sociais. A Constituição brasileira veda expressamente a censura prévia como aquela aplicada nas decisões judiciais secretas de Moraes para suprimir contas inteiras em mídias sociais. A Carta Magna também veda a criação de ilícitos por vias extralegais, mas foi o que Moraes fez ao ordenar aplicação de multa a todo brasileiro que usasse VPNs para acessar o X enquanto vigorou a suspensão da rede de Elon Musk. E a Constituição, ao consagrar a tripartição de poderes, ainda garante que leis devem ser feitas pelo Legislativo, e não pelo Judiciário, embora o STF esteja prestes a usurpar mais uma vez o papel de legislador no caso do Marco Civil da Internet, o que é admitido pelo próprio presidente da corte. Em resumo, no Brasil atual é o Supremo, e não qualquer mídia social, que faz do país “terra sem lei”.

As alterações anunciadas por Mark Zuckerberg não têm data para entrar em vigor no Brasil – se é que serão adotadas por aqui algum dia –, mas a virulência do “ataque preventivo” vindo de todos os lados, de jornalistas a agentes públicos, órgãos do governo e magistrados que deveriam se pronunciar apenas nos autos, mostra que o CEO da Meta atingiu um nervo sensível no vasto organismo de censura atualmente em funcionamento no país. Ilude-se quem acredita que a repercussão negativa – ou ao menos boa parte dela – seja motivada por preocupações com a “defesa da democracia” ou com possíveis vítimas de crimes on-line. Trata-se, pura e simplesmente, de uma disputa pelo poder de definir o que é ou não verdade, decidir o que pode e o que não pode ser dito na internet. E quem se acostumou a ter esse poder não desistirá dele tão facilmente.

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