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Editorial

Massacre na prisão

 | Divulgação/ Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas
(Foto: Divulgação/ Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas)

O Brasil começou 2017 olhando estarrecido para o massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus (AM). A guerra aberta entre facções criminosas dentro da prisão deixou quase 60 mortos e se tornou o segundo pior episódio da história do país em número de vítimas, perdendo apenas para a invasão policial no Carandiru, em São Paulo – mas desta vez os responsáveis pelas mortes foram os próprios detentos, que não economizaram na barbárie, decapitando e esquartejando seus inimigos.

Todo o episódio, desde o seu início, mostra uma sequência de falhas inaceitáveis. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visitou a unidade prisional em outubro de 2016 e a classificou como “péssima”. O padre Valdir Silveira, que esteve algumas vezes no complexo penitenciário – administrado por um consórcio, em parceria público-privada –, o definiu como “uma fábrica de tortura, que produz violência e cria monstros”. Após o massacre, o secretário de Segurança Pública do Amazonas afirmou que “não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2”, admitindo, implicitamente, a incapacidade da polícia amazonense de lidar com a situação de forma satisfatória, pois é um tanto óbvio que as opções não se resumiam a ficar olhando e esperando a situação se resolver ou entrar atirando indiscriminadamente. Uma ação policial inteligente e eficaz poderia ter salvo pelo menos algumas das vidas perdidas dentro do Anísio Jobim.

Não compartilhamos de teorias que negam a responsabilidade individual do criminoso

E eram vidas que valia a pena salvar, ao contrário do que prega um certo senso comum segundo o qual “bandido bom é bandido morto” e as prisões são um lugar onde o criminoso não deve pagar apenas com a privação da liberdade, mas com todo tipo de sofrimento possível – o que explica o descaso governamental com o sistema prisional e a atitude daqueles que veem com indiferença um massacre como o de Manaus. “São apenas bandidos exterminando-se uns aos outros; o que temos a perder com isso?”, pensa o cidadão insensível. Um raciocínio simplista – e profundamente equivocado.

Não compartilhamos de teorias sociológicas que negam a responsabilidade individual do criminoso. Seus atos, dentro e fora da cadeia, são escolhas pessoais; por mais que haja circunstâncias que favoreçam o crime, como a impunidade reinante ou as facilidades de pertencer a uma facção dentro de uma cadeia, matar um cidadão durante um assalto ou decapitar um outro detento continuam a ser opções profundamente individuais. São escolhas que degradam quem as faz, revelando sua miséria moral, mas que nem por isso retiram da pessoa a dignidade intrínseca que lhe é devida como ser humano, dignidade essa que traz consigo a necessidade de a sociedade se comprometer com a defesa de sua vida.

Bandido bom não é bandido morto. É bandido devidamente encarcerado, em condições dignas, mas sem mordomias nem privilégios; isolado da sociedade e incapacitado de organizar novos crimes de dentro da cadeia; que preferencialmente estude e trabalhe enquanto paga sua pena, de forma que tenha mais incentivos para levar uma vida honesta quando tiver terminado de saldar sua dívida com a sociedade. Isso exige uma polícia mais bem preparada e que prenda mais, freando a impunidade; um sistema judiciário-legal célere e que puna os crimes de forma proporcional; e um aparato prisional eficaz, que cumpra sua função de privar da liberdade o criminoso e oferecer-lhe meios de ressocialização, sem misturar bandidos de periculosidade diferente, sem ser a “universidade do crime” em que muitas prisões brasileiras se transformaram. Um objetivo que só será alcançado se a sociedade como um todo deixar de ver os presos como animais merecedores de maus-tratos, independentemente do que tenham feito.

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