Duas declarações recentes, uma vinda do Executivo e outra, do Legislativo, infelizmente reduzem a esperança do brasileiro de ter uma reforma que efetivamente colabore para reduzir o caos tributário nacional, que suga recursos, talento e pessoal que seriam melhor empregados para o crescimento dos negócios, em vez de serem desperdiçados no cumprimento da burocracia dos impostos. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o Congresso fará a reforma tributária “possível”, não a “ótima”; e o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu mais uma vez uma reforma feita de forma fatiada.
O fatiamento já vem sendo a escolha do governo para enviar sua proposta de reforma tributária – não tanto por convicção, mas pela enorme dificuldade em costurar uma proposta, tantos são os balões de ensaio lançados à sociedade e depois retirados de circulação devido à rejeição popular ou parlamentar. Enquanto isso, o Congresso vai assumindo o protagonismo e buscando um consenso entre as PECs 45 e 110 e o pouco que o governo federal entregou até agora, com o PL 3.887/2020, e há sério risco de que fiquem de fora, ao menos neste primeiro momento, quaisquer outras ideias da equipe econômica ainda não apresentadas.
O sistema tributário é um todo cujo redesenho também precisa mostrar o cenário completo; uma reforma fatiada abre a porta para surpresas desagradáveis
O argumento de Guedes é o de que o fatiamento impede surpresas desagradáveis. “Vamos conversar devagar, assunto por assunto, em vez de jogar tudo lá e virar uma caixa-preta e sair uma coisa que não reflita a filosofia do governo”, afirmou. No entanto, é muito mais provável que esse tipo de situação ocorra com uma reforma a conta-gotas que com uma proposta lançada integralmente na mesa. Isso porque o sistema tributário é um todo cujo redesenho também precisa mostrar o cenário completo. Só assim será possível saber, por exemplo, se a reforma prevê alteração ou manutenção da carga tributária atual; como será a distribuição do bolo entre União, estados e municípios; e se haverá um novo balanceamento na tributação do consumo, da produção, da renda e do patrimônio. Em uma reforma feita aos poucos, por exemplo, uma primeira alteração que reduzisse a arrecadação (caso da tão necessária desoneração da folha de trabalho) levaria a pressões por uma compensação, e daí poderia surgir uma solução improvisada – e ruim.
Já a declaração do presidente da Câmara deixa a entender que a reforma não será substancial, já que há muitos interesses “gigantescos” envolvidos. De fato, cada proposta tem efeitos diferentes sobre as pretensões federais, estaduais e municipais em termos de arrecadação, além de alterar a carga tributária sobre setores específicos, como a indústria, o comércio e os serviços. Uma proposta que satisfaça a todos ou será impossível de costurar ou trará apenas alterações cosméticas e pouco eficazes.
- O “mínimo comum” na reforma tributária (editorial de 9 de fevereiro de 2021)
- Intelectuais tributaristas não entendem de negócios (artigo de Gabriel Kanner, publicado em 5 de março de 2021)
- “A coisa mais difícil de entender no mundo é o imposto de renda” (artigo de Dalton Dallazem, publicado em 20 de fevereiro de 2021)
Lira afirmou que há um “perfil reformista” no Congresso e citou a reforma da Previdência como uma grande vitória do primeiro biênio da atual legislatura. No entanto, não há muito mais o que mencionar de significativo: na oportunidade mais recente de promover uma reforma importante, deputados e senadores foram desidratando a PEC Emergencial até fazer dela mera carcaça para conseguir a extensão do auxílio emergencial, deixando no texto final apenas medidas de contrapartida que em pouco ou nada ajudarão União, estados e municípios a corrigir uma situação de caos fiscal. Este é um destino que não pode atingir também a reforma tributária.