Conforme informações oficiais divulgadas nos últimos meses, da população total de 213,4 milhões, o Brasil tem 54 milhões de pobres, 14 milhões de miseráveis, 14 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados. Os desempregados devem ser comparados com a população economicamente ativa (aquela em condições de trabalhar), que está em torno de 106 milhões. Os desalentados, segundo o IBGE, são aqueles que têm condições de trabalhar, mas desistiram de procurar emprego – logo, estão fora dos 14 milhões de desempregados. O país entrou na pandemia em março do ano passado, fez o isolamento social e, aos que já estavam sem renda, ou na condição de pobres ou miseráveis, se juntaram os que perderam renda por terem de ficar em casa, entre os quais estavam 40 milhões de profissionais autônomos.
Se não o primeiro, mas um dos primeiros órgãos que expuseram a grave situação e o desespero que acometeu milhões de famílias foi o Banco Central, inclusive por meio de live feita por seu presidente, o economista Roberto Campos Neto, que já em abril de 2020 listava um extenso conjunto de informações e medidas para enfrentar a situação. Era um momento em que a pandemia se alastrava, demonstrava que a doença era grave e nem se falava na possibilidade de existir vacina que pudesse pôr fim ao flagelo que já atingia praticamente todos os países do mundo. O programa social robusto com o qual o Brasil contava era o conhecido Bolsa Família, cujo início é anterior ao primeiro governo Lula – sua origem estava no Bolsa Escola, do governo de Cristovam Buarque no Distrito Federal, e nos programas sociais do presidente Fernando Henrique Cardoso, como o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio Gás.
A ajuda aos pobres e aos miseráveis não deve ser retirada, mas as políticas e os programas podem ser melhorados, inclusive um de seus aspectos, que é o foco
A gravidade da pandemia e a interrupção de grande parcela das atividades econômicas, com o fechamento das empresas e isolamento dos trabalhadores em casa, agravaram o quadro social em número e intensidade, de forma que era preciso adotar alguma providência para evitar inclusive uma catástrofe alimentar. Goste-se ou não do governo, é preciso reconhecer que a implantação do auxílio emergencial de R$ 600 – que é pouco se observado isoladamente, mas é expressivo se considerar que foi pago a 67 milhões de pessoas – foi uma medida acertada e necessária. O tempo passou, o auxílio emergencial foi renovado (com um valor menor), a vacina surgiu e, embora o cenário esteja melhorando, a vida está longe de retornar ao período pré-pandemia, o que recomenda à sociedade e ao governo que trate como prioridade a retomada do crescimento – para gerar produto, emprego, renda e impostos – e a formulação de um plano capaz de reduzir progressivamente o quadro de miséria, pobreza e desemprego.
Na prática, o melhor programa social é o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) e a geração de empregos. Porém, enquanto isso não acontece, o país precisa socorrer os desvalidos e os indefesos diante da gravidade revelada pela pandemia e do agravamento da pobreza. Mas, como política libertadora e de longo prazo, o país precisa reconhecer que programa governamental de ajuda não é capaz de reduzir a pobreza de forma permanente, que a redução dos chamados “bolsões de miséria” somente é possível quando as pessoas forem capazes de ajudar a si mesmas, e que a redução estrutural da pobreza depende essencialmente do crescimento econômico e da respectiva elevação da renda por habitante. A ajuda aos pobres e aos miseráveis não deve ser retirada, mas as políticas e os programas podem ser melhorados, inclusive um de seus aspectos, que é o foco.
Vale lembrar que a ideia de garantir uma renda mínima a todo cidadão, por meio dos impostos, não foi concebida por nenhum socialista, mas pelo economista liberal e monetarista Milton Friedman, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A renda mínima seria paga pelo chamado “imposto de renda negativo”, isto é, a alíquota do imposto vai baixando à medida que baixa a renda do cidadão até o ponto de, para rendas nulas ou muito baixas, a alíquota se tornar negativa e, em vez de receber imposto das pessoas de renda zero ou abaixo de determinado valor, o governo pagaria ao cidadão, de forma que nenhum indivíduo nacional viveria abaixo daquele mínimo necessário. É sabido que, como máquina de produzir, o capitalismo é superior aos modos de produção concorrentes, mas, não sendo perfeito, tem entre seus problemas os ciclos econômicos – expansão e recessão – e deficiências na distribuição da renda nacional. As deficiências na distribuição da renda são agravadas pela ineficiência do “pedaço socialista do capitalismo”: o Estado, que é falho como instrumento de distribuição e cria suas próprias castas e privilégios.
Assim, a ajuda aos pobres e aos miseráveis é defensável e necessária, mas precisa vir com instrumentos que permitam ao beneficiado também fazer algo para melhorar a própria situação, sobretudo a inserção em programas de educação e qualificação profissional, como meio de libertar-se da dependência do auxílio governamental. Em um discurso no parlamento dos Estados Unidos, o presidente Franklin Roosevelt, que governou de 1933 a 1945, fez afirmação memorável: “A dependência continuada de ajuda induz a uma desintegração moral e espiritual do cidadão e, fundamentalmente, da fibra da nação”, disse ele. Não se questiona, por óbvio, a proteção e o auxílio eterno aos incapacitados definitivos por qualquer razão; esses devem continuar recebendo ajuda para sua sobrevivência, e provavelmente precisarão dela por toda a vida. Mas há provas vindas de outros países demonstrando que a ajuda continuada, quando oferecida sem redução e sem nenhuma contrapartida do beneficiário, acaba se tornando uma forma de emprego, como é o caso da rica Alemanha. O Brasil precisa fazer essa discussão com mais profundidade do que tem sido visto por aí, pois há muito o que melhorar em relação aos programas sociais de transferência de renda.
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