Entrou em vigor no Brasil, nesta terça-feira (21), a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que revogou o vetusto Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980). Fruto da articulação de diferentes setores da sociedade civil, a nova lei foi aprovada no Congresso por um louvável esforço suprapartidário, construído a partir da necessidade de superar a norma oriunda da ditadura militar, que via os imigrantes como ameaças à segurança nacional e ao mercado de trabalho nacional, negando-lhes tratamento compatível com a Constituição Federal. Alguns setores, no entanto, vêm abusando do alarmismo sobre ameaças de “terrorismo” e do nacionalismo à la “invasão estrangeira” para entrevar avanços da nova legislação. Efeitos disso ecoam agora no decreto 9.199, que a regulamentou.
A Lei de Migração foi proposta pelo atual ministro das relações exteriores, senador Aloysio Nunes, em 2013. Aprovada por unanimidade pelo plenário do Senado em agosto de 2015, o texto seguiu para a Câmara e tramitou em uma Comissão Especial, onde apareceram as principais críticas às novas regras. A princípio, entidades da sociedade civil que lidam diariamente com imigrantes queriam reduzir ao máximo o emprego de expressões genéricas como “segurança nacional” e “moralidade pública” no texto legal, para reduzir o espaço de atuação discricionária de agentes de fronteira e do Ministério da Justiça, por meio da extensão de garantias de devido processo legal aos imigrantes mediante a atuação das Defensorias Públicas nos processos de repatriação, na fronteira, e repatriação ou expulsão, quando já em território brasileiro.
Alguns setores vêm abusando do alarmismo e do nacionalismo
Setores ligados à Polícia Federal e às forças de segurança reagiram ao que consideravam propostas liberais demais, como o condicionamento da repatriação à manifestação da Defensoria Pública. Desse ponto de vista, dada a falta de recursos humanos dessas instituições, o excesso de garantias processuais colocaria em risco a celeridade e a eficiência do trabalho de agentes de fronteira nas zonas primárias e, por tabela, a segurança do país. Rejeitou-se também a criação de uma autoridade migratória interministerial que substituísse a Polícia Federal como o principal ator estatal no trato com imigrantes.
Preocupações com a segurança nacional e das fronteiras, com o tráfico internacional de drogas e com o terrorismo são legítimas, mas não podem se transformar em mera retórica do medo que, na concretização da nova lei, negue direitos básicos a pessoas em situações de vulnerabilidade ou reedite cipoais burocráticos que enredam os imigrantes. O decreto 9.199, por exemplo, criou a necessidade de atuação conjunta dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, das Relações Exteriores e do Trabalho no processamento das solicitações de vistos, no controle migratório, no registro e na autorização de residência, abrindo a possibilidade de atos protelatórios pouco razoáveis. O decreto também adiou indefinidamente a regulamentação dos vistos humanitários, outra grande conquista civilizatória da Lei de Migração, e criou entraves para a concessão de vistos temporários de trabalho.
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A adequação da legislação migratória às exigências constitucionais e às normas de direito internacional foi um grande avanço, inclusive para que o Estado brasileiro tenha mais tônus diplomático na defesa de brasileiros no exterior. Há uma farta literatura que mostra os benefícios econômicos da integração de imigrantes a um país – e o Brasil será, em cerca de 20 anos, uma nação já envelhecida. Imigrantes são bem-vindos, portanto, do ponto vista humanitário e econômico. Oxalá se efetive o espírito da nova Lei de Migração, tratando as questões de segurança por meio de investimentos, integração e inteligência, sem penalizar as pessoas que venham ao Brasil em busca de uma vida melhor.
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