O Brasil foi o país escolhido para a primeira viagem internacional da futura chanceler da Argentina, Diana Mondino. A escolhida por Javier Milei para chefiar a diplomacia do país veio a Brasília no último domingo para se encontrar com o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e tentar tranquilizar empresários dos dois países quanto ao futuro das relações bilaterais. Mondino ainda trouxe o convite oficial para que o presidente Lula participe da posse de Milei, marcada para 10 de dezembro, em Buenos Aires. “Sabemos que os nossos dois países estão intimamente ligados pela geografia e história e, a partir disso, desejamos seguir compartilhando áreas complementares a nível de integração física, comércio e presença internacional que permitam que toda essa ação conjunta se traduza, para os dois lados, em crescimento e prosperidade para argentinos e brasileiros”, afirma a carta do presidente eleito da Argentina.
O encontro entre Mondino e Vieira foi articulado pelos respectivos embaixadores – Julio Bitelli, representante brasileiro em Buenos Aires, e Daniel Scioli, que comanda a embaixada argentina em Brasília. Assim, os diplomatas dão sequência ao que tem sido quase que uma tradição nos últimos anos: manter as boas relações entre Brasil e Argentina a despeito das rusgas entre presidentes e ex-presidentes. Com Jair Bolsonaro já no poder, o então candidato à presidência argentina Alberto Fernández esteve em Curitiba em julho de 2019 para visitar Lula, que cumpria pena pelo escândalo do petrolão. Uma vez eleito, Fernández convidou tanto o petista – que já tinha deixado a cadeia após decisão do STF que acabou com a prisão em segunda instância – quanto Bolsonaro para sua posse. Nenhum dos dois compareceu; o presidente brasileiro enviou seu vice, Hamilton Mourão.
Brasil e Argentina dependem demais um do outro para deixar as relações azedarem graças a divergências ideológicas entre presidentes
O roteiro se repetiu quase à risca com Milei. Se em 2019 o peronista tinha irritado o presidente brasileiro visitando seu maior antagonista na prisão e convidando-o para a posse, na campanha de 2023 o candidato libertário fez várias críticas a Lula, que por sua vez não escondeu seu apoio ao candidato governista, Sergio Massa. Após o encerramento da apuração dos votos do segundo turno, o petista não telefonou a Milei parabenizando-o pela vitória, assim como Bolsonaro também não havia ligado para Fernández. Além disso, Milei também convidou Jair Bolsonaro para estar presente em Buenos Aires no próximo dia 10 – a diferença para quatro anos atrás é que, desta vez, o ex-presidente brasileiro estará na cerimônia de posse de Milei, enquanto Lula ainda não deu uma resposta definitiva, e muitos petistas defendem que ele não aceite o convite oficial. Já o Itamaraty tem adotado postura mais apaziguadora. “O que foi dito na campanha é uma coisa, o que acontece durante o governo é outra”, afirmou Mauro Vieira depois do encontro com Diana Mondino.
O fato é que Brasil e Argentina dependem demais um do outro para deixar as relações azedarem graças a divergências ideológicas entre presidentes. Uma Argentina em frangalhos em nada interessa, por exemplo, ao empresariado brasileiro – os vizinhos são o terceiro maior importador de produtos brasileiros, e também o terceiro maior exportador de produtos para o Brasil, segundo os dados de 2022 do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Com Milei na Casa Rosada, as chances de Lula conseguir transformar o Mercosul em clubinho ideológico, como o petismo havia feito uma década atrás com a ajuda de argentinos e uruguaios, ficaram ainda mais reduzidas, e quem sabe assim o bloco poderá finalmente cumprir aquilo a que se propôs quando foi criado, pouco mais de 30 anos atrás: fomentar o comércio entre seus membros e elevar sua força em negociações com outros países e blocos – Mondino já se disse favorável à assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia, por exemplo.
O tempo da eleição acabou tanto aqui quanto lá, e Milei ao menos está demonstrando algum pragmatismo em sua mudança de tom – não apenas em relação a Lula, mas também a outros líderes. Cabe a Lula dar o mesmo passo, ainda que seja notória sua preferência pela companhia de autocratas e ditadores, em vez de prestigiar democratas. Se não o fizer, que ao menos deixe que os diplomatas de ambos os países mantenham as relações bilaterais funcionando, pois eles já deram mostras de que essa é sua intenção – um caso interessante é o de Scioli, que já foi vice-presidente da Argentina no mandato do esquerdista Néstor Kirchner, mas manteve um bom relacionamento com Jair Bolsonaro desde que chegou a Brasília em 2020, e é cotado para se manter no cargo por ter bom trânsito com membros da equipe de Milei. Com pessoas conscientes de que nem Brasil nem Argentina ganham algo comprando briga com um grande parceiro, as perspectivas se tornarão mais favoráveis.
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