A presidente Dilma Rousseff deu entrevista semana passada à tevê Al Jazeera, do Qatar, na qual pede votos para continuar mais quatro anos no poder. Embora notável em todo o mundo por suas corajosas reportagens, sobretudo a respeito dos conflitos que envolvem o Oriente Médio, a emissora certamente não tem no Brasil nem a audiência, nem o poder de influenciar decisivamente os eleitores. Nem por isso ou até mesmo por isso Dilma age de forma prudente ao usar um meio de comunicação para, falando na condição de presidente da República, desfilar supostos sucessos do seu grupo político na administração do país e afirmar que o povo, por gratidão, deve dar-lhe um novo mandato.
O principal feito de Dilma e de seu padrinho-antecessor, o ex-presidente Lula, teria sido o de elevar à classe média milhões de brasileiros que viviam na pobreza extrema. Disse-o com a arrogância com que complementou a explicação pelo sucesso: ela e seu grupo, se souberam bem governar nos últimos 12 anos, poderão repetir o êxito nos próximos anos ao contrário dos que os antecederam e que, embora pudessem ter feito melhor, não sabiam como fazer. Evidentemente, Dilma se referia aos oito anos de Fernando Henrique Cardoso.
Não se trata, aqui, de fazer uma defesa político-partidária do ex-presidente, mas tão-somente de restabelecer uma verdade histórica abafada pela mitologia lulista do "nunca antes neste país", segundo a qual o PT ergueu o Brasil do zero que mereceu reconhecimento mundial: é de FHC a obra principal que deu sustentação às (sem dúvida elogiáveis) políticas de promoção social empreendidas por seus sucessores imediatos.
Não fosse a derrota que impôs à renitente e galopante inflação que herdou; não fosse a implementação do Plano Real, que estabilizou a moeda e estabeleceu condições para o controle das contas públicas; não fosse a abertura dos mercados e desestatizações que tiraram, em vários setores, o país da era das trevas não fosse este conjunto de ações, Lula e Dilma não teriam tido as mesmas condições para dar continuidade às políticas sociais também já iniciadas pelo antecessor.
É certo que o país cresceu pouco nos anos FHC, mas, ao assumir seu primeiro mandato, em 2003, Lula já encontrou o país minimamente ajustado e com firmes fundamentos de política econômica, de viés nitidamente liberal e flagrantemente contrária à pregação estatizante e heterodoxa do PT até então. Aliás, para conquistar a vitória em 2002, Lula precisou fazer juras de obediência à cartilha do Plano Real ao assinar a Carta aos brasileiros, instrumento que usou para afastar o medo que evocava na opinião pública.
Por mais que Lula negue, foi por seguir rigorosamente a cartilha que sua gestão pôde assegurar ao país exuberantes taxas de crescimento econômico um ciclo que foi quebrado já no fim de seu segundo mandato, quando abandonou os fundamentos para aventurar-se na heterodoxia que denominou de anticíclica, uma política que deveria se reduzir à sua eventualidade conjuntural apenas para combater os efeitos de nova crise mundial, a de 2008, mas que erroneamente se perpetua. Foi o que bastou para desarrumação que hoje se reflete na pressão inflacionária, nos falsos números da "contabilidade criativa" e no crescimento pífio da economia brasileira diferentemente dos Estados Unidos e dos países europeus, muito mais sensíveis à crise, que já voltaram a crescer, enquanto por aqui Dilma segue culpando a crise internacional pelos fracos resultados de sua gestão.
Ao negar o passado e atribuir-se todos os êxitos, faltou a Dilma a aura do verdadeiro estadista, aquele que mais se preocupa com o futuro da nação que com a próxima eleição.
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