STF quer pagar empresa para monitorar tudo o que é publicado sobre a corte nas mídias sociais e em blogs.| Foto: Felipe Sampaio/STF
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Monitoramento, vigilância e denuncismo cada vez maiores são as palavras de ordem para duas instituições deste Brasil contemporâneo que demonstram tolerância cada vez menor às críticas: o governo federal petista e o Supremo Tribunal Federal. Em um espaço de poucos dias, várias iniciativas foram anunciadas ou implantadas no sentido de transformar a internet em uma área cada vez menos livre, fazendo brasileiros pensarem muitas vezes antes de exercer o que deveria ser um direito constitucional protegido com toda a força: sua liberdade de expressão.

No dia 14, o Supremo Tribunal Federal abriu uma licitação na qual pagará ao vencedor até R$ 345 mil dos impostos dos brasileiros para que esses mesmos cidadãos sejam monitorados em tempo real, 24 horas por dia, sete dias por semana. O que disserem do STF em sete mídias sociais – Facebook, X (ex-Twitter), YouTube, Instagram, Flickr, TikTok e LinkedIn – ou em blogs chegará ao conhecimento da corte, por meio de relatórios diários, semanais e mensais. Seria uma ação prosaica se estivéssemos falando de uma empresa que oferecesse produtos ou serviços à população, e desejasse estabelecer estratégias para ganhar novos consumidores e enfrentar a concorrência. Mas, quando um tribunal resolve fazer o mesmo, a pergunta que deve se impor automaticamente é: para quê?

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No papel, é tudo muito inofensivo. A corte só quer saber se as pessoas estão falando bem ou mal do STF nas redes – isso apesar de o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ter acabado de dizer no programa Roda Viva que o “prestígio e importância de um tribunal não podem ser medidos em opinião pública”. Além disso, quer saber quem são os principais influenciadores que falam do Supremo nas redes e sugerir “aprimoramento da comunicação com esses públicos” – como se uma conversa amigável fosse capaz de simplesmente anular todos os motivos pelos quais o STF tem caído no descrédito popular, especialmente o desmonte do combate à corrupção, o ativismo judicial ideológico e a própria repressão à liberdade de expressão.

Em um espaço de poucos dias, várias iniciativas foram anunciadas ou implantadas no sentido de transformar a internet em uma área cada vez menos livre

E é neste último item que reside o grande perigo quando ao que esse monitoramento pode trazer na prática. Basta perguntar a quem tem sido incluído no abusivo inquérito das fake news; ou ao advogado Cristiano Caiado de Acioli, levado à Superintendência Regional da Polícia Federal para “prestar esclarecimentos” depois de ter dito ao então ministro do STF Ricardo Lewandowski, dentro de um avião, em 2018, que a corte era “uma vergonha”; ou, ainda, ao servidor Ramos Antonio Nassif Chagas, alvo de representação criminal e investigação da PF por dizer a Gilmar Mendes, no aeroporto de Lisboa, que ele e o STF estavam “destruindo o país”. Afinal de contas, se o objetivo é apenas aferir a imagem do Supremo diante do público, por que a corte ainda pede que a empresa vencedora da licitação informe o georreferenciamento das postagens, ou seja, diga de onde elas foram enviadas? Que relevância essa informação tem para a finalidade declarada pelo STF?

Mas, nesta corrida por vigilância, o Supremo não está sozinho. A Advocacia-Geral da União enviou recentemente ao Tribunal Superior Eleitoral uma mezzo consulta, mezzo pedido, a respeito da possibilidade de o órgão poder acionar o TSE para coibir o que considera ser “desinformação” a respeito de ações do governo federal durante as campanhas eleitorais municipais que começarão daqui a poucos meses – atualmente, a prerrogativa de recorrer à Justiça Eleitoral para contestar publicações é apenas de partidos, coligações, candidatos e do Ministério Público Eleitoral. A consulta ainda não foi respondida, mas, em caso afirmativo, é fácil imaginar o que acontecerá: o governo federal buscará censurar qualquer crítica – pois, para Lula e o PT, “desinformação” e “fake news” não são apenas afirmações factuais falsas, mas todo discurso contrário ao governo –, e ainda poderá fazê-lo em todo o país, com o potencial de desequilibrar os pleitos em favor de seus candidatos, em uma nova modalidade de uso da máquina pública.

Para completar, o Ministério dos Direitos Humanos deu sua contribuição mais recente à distopia brasileira com um site cujo objetivo é ensinar o brasileiro a diferenciar opinião de “discurso de ódio” na internet. Ocorre que, à exceção de uns poucos exemplos muito genéricos, o portal nada faz para efetivamente explicar no que consistiria o tal “discurso de ódio”. Quem vasculhar o novo portal não encontrará definições, nem casos concretos de grande repercussão. A vagueza, no entanto, tem método, pois delimitar corretamente o escopo do “discurso de ódio” tiraria da esquerda a possibilidade de denunciar e deslegitimar, sob esse rótulo, qualquer afirmação que a desagrade, independentemente da maneira como seja feita – como chegou a fazer o governo baiano no início de 2023, ao chamar de “discurso de ódio” o que não passava de proselitismo religioso.

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Denunciar, aliás, é uma das palavras de ordem do site, que traz para o combate ao “discurso de ódio” a estrutura do Disque 100, serviço usado para denunciar violência contra minorias (como a população LGBT) e grupos vulneráveis (como crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e moradores de rua). O perigo mora no encaminhamento que será dado às eventuais denúncias, pois não há lei nenhuma no Brasil que defina, muito menos que criminalize “discursos de ódio”. O risco de que discursos lícitos, mas que contrariam as posições ideológicas do governo, acabem sofrendo repressão não é nada desprezível.

Temos dito, já há alguns anos, que a prioridade nacional é o restabelecimento da correta compreensão da liberdade de expressão e da proteção firme a essa garantia constitucional. No entanto, o poder público, especialmente Executivo e Judiciário, insistem em rumar para o lado oposto, impondo mais monitoramento e estimulando o denuncismo. Poderes autoatribuídos contra legem, órgãos e mais órgãos de “combate à desinformação”, e resoluções que forçam empresas privadas a aderir à “polícia do pensamento” estatal mostram que o Grande Irmão orwelliano, no Brasil, já não é apenas um, mas sim uma enorme família de vigilantes e repressores.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]