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A última sexta-feira marcou o segundo aniversário da eclosão do "escândalo do mensalão". A data não merece festa, pois, com raras exceções, mantêm-se impunes os 40 denunciados à Justiça pela Procuradoria-Geral da República como mentores ou beneficiários do esquema de distribuição de mesadas a parlamentares para que votassem sempre de acordo com o desejo do governo. Mas, exatamente por isso, a "efeméride" precisa ser lembrada para despertar as consciências sobre a permanência da maior chaga que corrói as instituições brasileiras – a união entre a corrupção e a impunidade.

Foi no 8 de maio de 2005 que as emissoras de televisão do país mostraram as imagens de um funcionário dos Correios embolsando propina para favorecer empresários interessados em participar de licitações promovidas pela empresa. Como o servidor era ligado ao então deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, este reagiu de acordo com a melhor técnica marcial, segundo a qual o ataque é sempre a melhor defesa. Foi só então que a Nação ficou sabendo que o mensalão – pejorativo cunhado pelo deputado – era prática corrente nas relações entre o Executivo e o Congresso.

Os fatos foram investigados e comprovados pela CPI dos Correios e suas conclusões encaminhadas à Procuradoria-Geral da República, que por sua vez, após exame dos depoimentos e provas recolhidas, ofereceu denúncia contra a quadrilha de 40 nomes identificados como participantes das irregularidades – dentre os quais o mais notório, e apontado como cabeça, era o então chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu – que teriam desfalcado R$ 2 bilhões dos cofres públicos. Entretanto, até hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) não concluiu os mandamentos processuais para levá-los a julgamento.

Como se sabe, morosidade e impunidade são irmãs siamesas. Somadas, são mesmo sinônimo de algo ainda mais grave, a injustiça. Esse clima de impunidade, alimentado por casos como o do "mensalão", de fato encontra explicação na morosidade da Justiça e num sistema penal que beneficia os réus, sobretudo os mais poderosos ou mais ricos. Esta constatação não é fruto de uma visão popular, mas é motivo de preocupação manifestada também pelos próprios juízes brasileiros, cada vez mais preocupados com o aprofundamento da imagem negativa do Poder que representam.

Exemplo dessa preocupação está no recente pedido de providências que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça, no sentido de que "o Judiciário tenha como prioridade o julgamento de processos relativos à corrupção, defesa do patrimônio público e que envolvam autoridades detentoras de foro privilegiado".

Nas democracias modernas – diz o documento da AMB –, a chaga da corrupção é vista como um fenômeno pernicioso que precisa ser combatido, e o Judiciário pode e deve adotar uma diretriz política no sentido de priorizar o julgamento desses processos. E completamos: a ausência de procedimentos urgentes, como quer a AMB, para tornar mais eficaz a ação da Justiça, só servirá para encorajar a prática de ilicitudes no setor público e, ainda mais pernicioso que isto, para banalizar os crimes de corrupção e entranhar na sociedade o sentimento de que a honestidade não é uma virtude a ser levada a sério.

Certamente não por outros motivos, assiste-se agora a uma intensa movimentação nos altos escalões do poder nacional no sentido de sepultar a tentativa de se criar no Congresso uma CPI da Navalha, destinada a aprofundar e tirar conseqüências das investigações da Polícia Federal que outra vez desvendaram relações promíscuas entre empreiteiras de obras públicas, altos funcionários do governo e parlamentares. Já há número de assinaturas suficiente para a instalação da CPI, mas, como se teme o roldão de denúncias que poderá dela emergir, governistas e oposicionistas articulam manobras regimentais para conseguir a sua derrubada.

Ainda, porém, que esta nova CPI seja formalmente instituída – como reclama a opinião pública –, sobram-nos motivos para acreditar que, se a Justiça não se aparelhar para alcançar os autores dos ilícitos que forem levantados, o destino dos culpados será gozar dos benefícios da impunidade com que já contam aqueles que, há dois anos, foram denunciados na esteira da CPI dos Correios.

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