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Clériston Pereira Cunha
Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, réu do 8 de janeiro, teve um ataque cardíaco fulminante durante o banho de sol no presídio da Papuda nesta segunda-feira, dia 20.| Foto: reprodução/despacho Vara de Execuções Penais

Quando se fala da Justiça que “falha porque tarda”, normalmente a crítica é motivada pela prescrição de crimes que não foram julgados no tempo devido. Mas a impunidade, ainda que detestável, é um preço menor que a sociedade paga em comparação com a perda de uma vida por omissão pura e simples do Poder Judiciário. É o que acaba de acontecer com o empresário Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, um dos réus do 8 de janeiro que aguardava julgamento preso na Papuda, em Brasília, e morreu na manhã de segunda-feira. Ele havia sido preso no Senado, e sempre negou ter cometido qualquer crime naquele domingo.

Cunha teve um ataque cardíaco durante o banho de sol e não conseguiu ser reanimado pelos agentes que o atenderam. E não se tratou de algo completamente imprevisível, que atingiu subitamente alguém que até então parecia gozar de boa saúde: o detento tinha um quadro bastante delicado, com diabetes e hipertensão; já havia contraído Covid-19, que costuma agravar doenças já existentes; e ao menos uma vez precisou ser socorrido às pressas no meio da madrugada, segundo relato de um outro empresário que ocupou a cela adjacente à de Cunha. Mesmo assim, ele seguia preso, enquanto quase todos os demais presos do 8 de janeiro já tinham sido soltos, tendo a prisão substituída por outras medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. Por quê?

Não existe explicação aceitável para que Alexandre de Moraes tivesse prolongado a prisão preventiva de Cleriston Cunha, mantendo-o em condições que sabidamente agravariam seu quadro de saúde, como de fato agravaram, levando-o a falecer no presídio

O advogado de Cunha fez sua parte, pedindo oito vezes ao STF que o empresário pudesse aguardar o julgamento em liberdade. Mencionando o quadro médico do réu, Bruno Azevedo de Souza alegou ser “notório que a segregação prisional poderá ser sentença de morte ao referido”. Os médicos responsáveis por avaliar Cunha fizeram sua parte, afirmando em relatório que, “em função da gravidade do quadro clínico, risco de morte pela imunossupressão e infecções, solicitamos agilidade na resolução do processo legal do paciente”. O Ministério Público Federal fez sua parte quando, em 1.º de setembro, deu parecer favorável à libertação do empresário. “O Ministério Público Federal manifesta-se pelo deferimento do pedido de liberdade provisória a Cleriston Pereira da Cunha, cumulado com as medidas cautelares diversas da prisão”, escreveu o subprocurador-geral Carlos Frederico Santos. Quem não fez sua parte foi Alexandre de Moraes, que ignorou o pedido por dois meses e meio, uma eternidade para alguém que está privado das condições ideais para tratar enfermidades crônicas.

Como já recordamos neste espaço, a manutenção das prisões preventivas de centenas de presos do 8 de janeiro já era em si mesma um abuso, pois não estavam presentes as condições exigidas pela lei processual penal para que aquelas pessoas continuassem detidas na Papuda ou na Colmeia. Não havia provas a destruir; não havia risco de que os presos, uma vez libertados, tentassem cometer os crimes que lhes eram atribuídos; e havia outras formas de impedir que eles fugissem do país. Se isso valia para os presos em boas condições de saúde, quanto mais para alguém como Cunha, até porque o próprio STF já decidira, em 2018, ao analisar o caso de um ex-deputado com câncer, que o tratamento de doença grave justificava a transferência para prisão domiciliar. Ou seja, não existe explicação aceitável para que Moraes tivesse prolongado a prisão preventiva do empresário, mantendo-o em condições que sabidamente agravariam seu quadro de saúde, como de fato agravaram, levando-o a falecer no presídio.

A morte de Cleriston Cunha pode, portanto, ser imputada ao Supremo Tribunal Federal e, mais especificamente, à omissão do ministro Alexandre de Moraes. Mesmo se não for possível falar em responsabilização jurídica, civil ou penal – por exemplo, com indenização a ser paga pelo Estado brasileiro –, a responsabilidade moral é evidente: alguém que exigia cuidados especiais e cuja soltura era defendida pela própria acusação permaneceu preso porque um ministro do STF – essa corte tão rápida quando se trata de apontar o “estado de coisas inconstitucional” das prisões brasileiras e exigir planos do poder público, e tão enfática quando chamava de “tortura” as prisões da Lava Jato (essas, sim, justificadas) – não fez o que tinha de fazer. O justiçamento em que se transformaram os processos do 8 de janeiro mudou de nível; agora, uma família estará perpetuamente enlutada para saciar a fome suprema por vidas destruídas em nome da “democracia”.

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