O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, do Partido Novo, terminou o ano passado prometendo que “2020 é o ano do regime de recuperação fiscal”. Durante a gestão do seu antecessor, o petista Fernando Pimentel, o estado mergulhou na crise; hoje, é uma das unidades da Federação mais encrencadas do ponto de vista fiscal, não conseguiu pagar o 13.º salário de 2019 a todos os seus servidores antes do fim do ano – pouco menos de 40% do funcionalismo só verá o dinheiro após uma venda de créditos de nióbio – e está negociando sua entrada no Regime de Recuperação Fiscal, mecanismo criado em 2017 para socorrer estados em apuros e que, até o momento, só está sendo aplicado no Rio de Janeiro, apesar de aquele governo estadual estar longe de cumprir sua parte no acordo. Nada disso, no entanto, impediu Zema de fazer uma concessão cujos efeitos vão além das divisas mineiras.
Apesar da situação dramática das contas estaduais, Zema propôs um reajuste de 41% aos policiais mineiros até 2022. Dois dos três deputados estaduais do Novo, incluindo o líder do governo na Assembleia Legislativa, criticaram a ideia e deram voto contrário, alegando a situação fiscal do estado e afirmando que o salário das carreiras policiais já é adequado e, em média, está entre os maiores pagos pelo Executivo mineiro; no entanto, eles ficaram sozinhos. Como se não bastasse, durante a tramitação do projeto na Assembleia Legislativa mineira, a oposição resolveu ampliar a irresponsabilidade e acrescentou todo o restante do funcionalismo estadual, com aumento de 30% até mesmo para carreiras que já são muito bem remuneradas. O texto passou pelo Legislativo e aguarda sanção do governador, que se comprometeu apenas com a proposta original, contemplando as forças de segurança. O impacto do reajuste, caso valha apenas para os policiais, é de R$ 9 bilhões; se todo o restante do funcionalismo também for incluído, o rombo sobe para R$ 20 bilhões – o déficit previsto para o estado neste ano, sem considerar este aumento, é de R$ 13 bilhões.
Ao conceder um reajuste de 41% aos policiais mesmo sem ter as condições financeiras para isso, Zema jogou pressão sobre todos os demais governadores que enfrentam insatisfação de suas forças de segurança
Este, no entanto, não é apenas mais um caso de irresponsabilidade fiscal que diria respeito apenas aos mineiros e ao governo federal, que negocia com Minas as ferramentas de recuperação fiscal do estado. Ao conceder um reajuste desta dimensão aos policiais mesmo sem ter as condições financeiras para isso, Zema jogou pressão sobre todos os demais governadores que enfrentam insatisfação de suas forças de segurança, mesmo que o impasse (ainda) não tenha chegado ao extremo cearense, onde a Constituição foi jogada no lixo pelos policiais amotinados. No Congresso, o relator do Plano Mansueto – uma nova possibilidade de socorro aos estados –, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), afirmou que a atitude de Zema levou ao acirramento no Ceará, pois policiais e governo já estavam se acertando quando veio a notícia dos 41%. Ora, se um estado quase quebrado como Minas Gerais pode conceder um reajuste desses, por que os demais estados também não poderiam? A resposta sensata seria a de que não podem – nem Minas, nem os outros. Mas a resposta populista parece estar mais na moda.
Mas o reajuste em Minas Gerais está longe de ser o único fator que leva policiais a se amotinar em busca de aumento salarial. Há, também, um velho conhecido dos brasileiros: a impunidade. Motins de policiais militares são claramente proibidos pelo artigo 142 da Constituição, e desde 2017 a mesma proibição também vale para policiais civis, por decisão do Supremo Tribunal Federal. O desrespeito deveria valer punição à altura de uma violação da Carta Magna, mas não é isso o que ocorre. O único caso recente de motim em que o governo da época foi duro ocorreu no Espírito Santo, em 2017. No entanto, bastou que o governador Paulo Hartung (MDB) fosse substituído por Renato Casagrande (PSB) para que, logo no início de 2019, o socialista cumprisse uma promessa de campanha e enviasse ao Legislativo um projeto de anistia, aprovado por unanimidade. Foram 2,6 mil PMs beneficiados – 23 policiais que tinham sido expulsos tiveram de ser readmitidos, com pagamento de salário correspondente ao tempo pelo qual ficaram afastados.
Os policiais cearenses também já afirmaram que a anistia é condição para encerrar seu motim, mas até o momento o governador Camilo Santana (PT) vem afirmando que não haverá perdão aos amotinados. O primeiro passo para evitar que o caos vivido por capixabas em 2017 e cearenses em 2019 se repita também em outros estados é o fim da leniência para com quem faz a população de refém em nome dos próprios interesses.
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