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Editorial

A paciência com a fúria arrecadatória do governo está acabando

Secretários do Ministério da Fazenda apresentam a MP que altera uso de créditos do PIS-Cofins, em 4 de junho. (Foto: Washington Costa/Ministério da Fazenda)

A sede do governo por cada vez mais impostos para custear uma gastança que Lula crê poder se ampliar ao infinito está conseguindo a proeza de colocar todos contra o Palácio do Planalto e abrir os olhos de ainda mais pessoas que deram seu apoio ao candidato petista em 2022. “Do jeito que está, com o governo querendo meter a mão, querendo taxar tudo, não dá”, desabafou, no sábado, o empresário Rubens Ometto, CEO da Cosan, maior exportadora individual de cana-de-açúcar do Brasil – e que, em 2022, doou R$ 1 milhão ao PT. E Ometto não ficou apenas no “não dá”, afirmando que Lula e o governo não cumprem a lei. “Eles nunca estão preocupados em interpretar a ideia do legislador. (...) Como a gente vai melhorar o nosso país se a autoridade máxima faz tudo para não obedecer às leis?”, questionou.

Ometto sabe muito bem do que está falando. O setor exportador é um dos principais atingidos por uma nova medida provisória que restringe o uso de créditos oriundos do PIS-Cofins, publicada no último dia 4. Até então, os créditos poderiam ser usados para abater outros débitos tributários, mas, com a MP, eles só servirão para abater o próprio PIS-Cofins. Os exportadores classificaram a medida como “MP do fim do mundo”. O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Ricardo Alban, protestou abandonando a comitiva do vice-presidente Geraldo Alckmin, que estava em viagem à Arábia Saudita e à China; “chegamos ao nosso limite”, afirmou Alban. Nada menos que 27 frentes parlamentares que defendem os interesses de vários setores da economia pediram que os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), simplesmente devolvam a MP, que foi publicada sem nenhum tipo de conversa ou negociação prévia com os atingidos.

Economistas e ex-ministros também ressaltaram os riscos da MP, como um possível efeito inflacionário, destacado também por uma nota assinada por sete ex-ministros da Agricultura – um dos setores mais afetados pela mudança –, incluindo dois que fizeram parte dos primeiros mandatos de Lula. “Decisão desastrosa”, classificou Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Mas Fernando Haddad – que nem no Brasil estava quando da publicação da medida provisória –, tomado pela húbris, acha que estão todos enganados, chamando de “mal-entendido” toda essa reação negativa unânime. “Às vezes a pessoa nem leu a medida provisória e está tirando medidas antecipadas sobre isso”, ironizou o ministro da Fazenda, como se até mesmo empresários e setores mais amigáveis ao governo tivessem resolvido reclamar sem nem sequer terem parado para fazer as contas antes de usar termos como os que Ometto empregou em sua fala do último sábado.

Como se não bastasse, ainda há um pulo do gato muito conveniente com a MP. O objetivo da medida é compensar a continuidade da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de prefeituras de municípios de até 156 mil habitantes, mantida em 2024 após uma solução consensual ma non troppo, já que o setor produtivo negociou com uma faca no pescoço colocada pelo governo e pelo STF. No entanto, a MP deve trazer R$ 29,2 bilhões para os cofres públicos, contra os R$ 26,3 bilhões que deixariam de ser arrecadados com a manutenção da desoneração da folha. Essa diferença de R$ 2,9 bilhões constitui, na prática, um aumento de carga tributária.

Cada vez mais convictos de que o caminho do Brasil é abandonar de vez qualquer possibilidade de ajuste fiscal e buscar o equilíbrio das contas tributando (ou tributando mais) tudo o que for possível, os investidores também estão ficando sem paciência. O real vem se desvalorizando brutalmente – o dólar, que passou muito tempo na casa dos R$ 5, hoje é negociado entre R$ 5,30 e R$ 5,40 – e a curva de juros futuros voltou a subir. A mera relutância norte-americana em começar um ciclo de queda de juros não basta para explicar este movimento, pois do contrário todos os demais emergentes estariam passando pelo mesmo processo, o que não é o caso. A contribuição do cenário interno é relevante: as expectativas de inflação estão desancoradas e ainda há dúvidas pertinentes sobre como o Banco Central se comportará quando a maioria de seus diretores tiver sido indicada por Lula.

Em sua fala de sábado, Rubens Ometto associou o arcabouço fiscal à dificuldade em se reduzir os juros. “Ele [o arcabouço] é baseado na ideia de permitir aumentar as despesas na medida em que a receita aumentasse. É claro que o governo trabalharia furiosamente para aumentar a receita e, assim, poder gastar mais. Esse arcabouço claramente reflete a visão de alguém que quer fazer o governo gastar, e não reduzir a dívida pública”, afirmou. A insistência de Lula e Haddad em arrancar cada vez mais do setor produtivo e dos cidadãos para seguir gastando é algo que ficou explícito para todo o setor produtivo com a MP do PIS-Cofins, e é um caminho que ainda custará muito caro para o Brasil.

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