A "reconstrução" da vida das pessoas castigadas pelas chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro será o grande desafio dos próximos tempos, ao lado da criação de novas residências para os desabrigados e da implantação de medidas preventivas contra desastres climáticos, que precisam sair do nível do discurso para se tornarem práticas constantes, eficientes e duradouras. O desastre ocorrido nos municípios fluminenses é a maior tragédia climática ocorrida no Brasil de que se tem notícia, superando a enchente de 1967, que matou 785 pessoas no Rio. O momento é de o poder público mobilizar seus esforços para minimizar os danos sociais e psicológicos enfrentados pelas vítimas da calamidade que assolou a região.
Até agora as autoridades fluminenses contabilizaram mais de 800 óbitos. Estima-se que há 430 desaparecidos em seis municípios. Os desabrigados passam de 20 mil. Mas esses números não traduzem com facilidade o sofrimento e o abalo psicológico da população atingida. As estatísticas podem demonstrar que o desastre é o maior já registrado, mas delas só se pode ter uma vaga noção do impacto na vida de milhares de pessoas.
Pessoas não são números ou estatísticas. Na edição de ontem, a Gazeta do Povo mostrou "recortes" da realidade de algumas das vítimas das chuvas no Rio. Os atingidos pelo desastre começam agora, após o que parece ser o fim das chuvas torrenciais, o longo e sofrido processo de superar a mortes de familiares, a reconstrução de suas moradias e de suas vidas. Mas, como mostrou a Gazeta, esse processo pode ser bastante longo, causar frustrações, revolta e traumas que só com muito esforço serão superados. A tragédia destruiu a identidade, a dignidade, enfim, a vida das vítimas. E se reerguer após as enchentes e desabamentos terem levado praticamente tudo, deixando um rastro de dor e desespero, é uma tarefa muito maior que vai além de projetos de reurbanização das áreas atingidas.
Para o recomeço da vida desse enorme contingente populacional é preciso uma resposta rápida e efetiva do poder público, tanto do governo do Rio, quanto do governo federal, pois a experiência brasileira demonstra que a burocracia para a liberação de recursos e para a aplicação deles na implantação de novas moradias é enorme e pode ampliar o sentimento de revolta das famílias atingidas. A população afetada pela tragédia que assolou Blumenau, em 2008, quando literalmente morros vieram abaixo, só voltou a um estado de normalidade após dois anos de trabalho das autoridades. Dada as dificuldades de uma Defesa Civil condizente com um país que se pretende uma potência emergente de relevância internacional, a tarefa da reconstrução só será possível com a colaboração da sociedade, seja mediante a ajuda direta, com o envio de doações, seja pressionando e fiscalizando a ação governamental para que ocorra de forma eficiente no menor prazo possível.
O governo federal reconhece a existência de falhas estruturais e financeiras para evitar desastres "naturais" dessa magnitude. O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, afirmou que o governo quer "acabar com a crítica recorrente que a Defesa Civil é lenta, tardia". Então, para que esse discurso se transforme em prática, será preciso muito mais que a dura tarefa de reconstrução das áreas atingidas e da reinserção social das vítimas. Será necessário um planejamento de longo prazo, com realocação de populações que hoje estão em área de risco, medidas ambientais que impeçam desmatamento desordenado, implantação de planos diretores de urbanismo.
Mas tanto as medidas de reurbanização, quanto as de prevenção, assim como as de reinserção das vítimas, precisam ser efetivadas rapidamente. Do contrário terá se passado um ano, ou mais, e pessoas continuarão morando em abrigos provisórios, sem a dignidade que a Constituição brasileira lhes assegura. Do contrário, novas estações de chuvas virão e, quem sabe, novos desastres irão se sobrepor ao ocorrido neste início de ano. Daí o país terá perdido a oportunidade, mais uma vez, de aprender com os seus erros e tomar as precauções necessárias para evitar novos desastres "naturais".
O compromisso com a eficiência na resolução dos problemas da população atingida deve ser total. Não é demais lembrar que, daqui a cerca de um mês, recomeçam as aulas em todo o país. E como, ou quando, será o regresso à normalidade para as crianças atingidas por essa calamidade? Essa é uma pergunta de difícil resposta, mas seria importante que tal preocupação estivesse no centro das atenções das autoridades públicas envolvidas com a implementação de políticas para a solução dos problemas.