O crime não compensa. Esse poderia ter sido o recado amplo, geral e irrestrito resultante da visita do ministro da Justiça, Tarso Genro, à Suíça. Na última sexta-feira, ele formalizou com autoridades daquele país a devolução para os cofres públicos brasileiros de US$ 28 milhões depositados em bancos suíços por agentes da receita estadual do Rio de Janeiro e da Receita Federal que, nos anos de 1999 e 2000, transferiam para contas pessoais as propinas que arrecadavam de empresas fluminenses enroladas com o fisco. O esquema ficou conhecido como "propinoduto" e envolvia também auxiliares diretos do casal Garotinho, que governou o estado em duas gestões sucessivas.
Elogie-se, em primeiro lugar, o governo da Suíça e seus bancos. Foram eles que tomaram as medidas mais cruciais para que o propinoduto fosse desvendado e o dinheiro recuperado. Inicialmente, porque os bancos constataram que a movimentação financeiras nas contas era incompatível com os ganhos salariais dos correntistas; em segundo lugar porque foi o governo que, verificando tratarem-se as importâncias frutos de corrupção e lavagem de dinheiro, não apenas comunicou as autoridades brasileiras como se dispôs a repatriá-las.
Elogie-se também a conduta da polícia e da Justiça brasileiras que, à época dos acontecimentos, realizaram as investigações, levaram os envolvidos a julgamento e os condenaram a penas de prisão e multas.
Portanto, de fato, estamos diante de um "case" de sucesso nessa área, que precisa realmente ser comemorado. Mas não com o entusiasmo demonstrado pelo ministro Tarso Genro, que cometeu o exagero de afirmar que o episódio "rompe com a questão da impunidade". Textualmente, é dele a seguinte frase: "O valor simbólico (da decisão) é maior que o econômico porque estabelece uma nova cultura que rompe com a questão da impunidade. É um recado aos corruptos e bandidos, de que esses recursos ilegais serão identificados."
Menos, senhor ministro! US$ 28 milhões não podem ser considerados como "um valor simbólico", embora se deva considerar pequeno diante dos bilhões despejados nas valas da corrupção endêmica de que sofre historicamente o país. É muito dinheiro e faz muita falta ao atendimento das mais comezinhas necessidades do povo. Mais grave, porém, do que a "micro" (para usar o mesmo prefixo com que o ministro classificou o recente apagão elétrico) corrupção, é a afirmação grandiloquente de que se tenha estabelecido uma "nova cultura" que tenha rompido "com a questão da impunidade".
Ora, sabe-se ser principalmente da pasta dirigida por Tarso Genro, a da Justiça, grande parte da responsabilidade do combate à corrupção. É dele, afinal, a chefia da Polícia Federal organismo que, sem dúvida, tem mostrado eficiência em muitos casos (inclusive neste do "propinoduto"). Entretanto, não há sinais de que a corrupção tenha deixado de prosperar e nem que a impunidade, a partir de agora, deixe de ser prática corrente. A menos que, imbuído dos bons propósitos e do exemplo que recolheu na Suíça, o ministro faça mesmo do episódio o marco de uma nova era no Brasil. Uma era em que os crimes desse gênero não sejam medidos pelas cifras, mas também pelo efeito corrosivo que têm sobre vida pública uma esfera em que não temos visto a necessária distinção entre o que é público e o que é privado. Uma era em que o vale-tudo não prevaleça e em que só os caminhos legítimos sejam empregados na disputa pelo poder. Não é o que temos por ora.
Quando a nova era chegar, crimes muito maiores e menos "simbólicos" do que o do "propinoduto" e crimes que de tão corriqueiros quase já não chocam a nação serão tratados de outra forma: com o mesmo rigor e com resultados tão positivos quanto o que nos foi possibilitado por um país estrangeiro, civilizado e respeitador dos cidadãos incluindo os de tão longe.
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