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editorial

Não há ingênuos em Brasília

Na segunda-feira, enquanto Brasília fervia com a votação da comissão do impeachment que aprovou o relatório de Jovair Arantes, para quem a Câmara deve se colocar a favor da abertura de um processo contra Dilma Rousseff por crime de responsabilidade, os celulares da capital federal – e, depois, do país todo – espalhavam o mais novo “escândalo” envolvendo a possível sucessão de Dilma: um áudio do vice-presidente Michel Temer, com um discurso de 15 minutos que, presume-se, seria sua fala à Câmara dos Deputados caso os parlamentares aprovassem o início do processo.

No áudio, Temer diz que precisa estar “preparado para enfrentar os graves problemas que hoje afligem o nosso país” caso o Senado decida pelo afastamento de Dilma e sua cassação. Deixa claro que o país precisará enfrentar tempos difíceis “para retomar o crescimento”, mas também garante que programas sociais como o Bolsa Família, o Pronatec e o Fies serão mantidos caso Temer assuma a Presidência. “Nós deveremos manter estes programas e até, se possível, revalorizá-los e ampliá-los”, afirma o vice-presidente no áudio.

O “guia oficial” de Michel Temer continua sendo o documento “Uma ponte para o futuro”

Não se trata de um discurso de posse – as próprias palavras de Temer no áudio indicam que, caso realmente se trate de um discurso, ele seria feito entre as votações na Câmara e no Senado. Mesmo assim, houve quem avaliasse que a divulgação foi uma precipitação inacreditável para um político como Temer – ou um descuido de enormes proporções, o que seria igualmente surpreendente. Não faltaram as comparações, feitas inclusive por colunistas desta Gazeta do Povo, com o célebre caso em que Fernando Henrique Cardoso, candidato à prefeitura de São Paulo em 1985, deixou-se fotografar sentado na cadeira de prefeito e perdeu uma eleição dada como ganha.

Mas não há ingênuos em Brasília. O próprio Temer afirma, no áudio, que a campanha contra o impeachment tem recorrido com ênfase ao discurso segundo o qual a saída do PT da Presidência significaria o fim dos programas sociais – alegação que, lembremo-nos, também foi usada nas últimas campanhas eleitorais petistas. Diante disso, não seria conveniente desmentir desde já a propaganda enganosa? Por esse ponto de vista, deixar que o áudio ganhasse o máximo possível de divulgação serviria como uma maneira de tranquilizar setores da população que temem pelo fim dos benefícios com uma eventual mudança de governo, ajudando a trazer essas pessoas para o campo do impeachment.

O áudio traz de volta uma pergunta importante: como seria um eventual governo Temer? Mas ele é apenas parte da resposta, e talvez nem seja a parte mais importante. O “guia oficial” de Michel Temer continua sendo o documento “Uma ponte para o futuro”, elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães. É lá que estão detalhadas as medidas que boa parte da legenda (porque há peemedebistas contrários ao seu conteúdo) considera necessárias para que o Brasil retome o crescimento e se torne uma verdadeira economia baseada no livre mercado. Decisões que, como a Gazeta do Povo mostrou no último fim de semana, são consideradas “amargas” por uma população que acabou acostumada a entregar o protagonismo da economia ao Estado, mas que têm o potencial de, no médio e longo prazo, colocar o Brasil no rumo de um desenvolvimento sustentado que supere a fase dos “voos de galinha” que tem caracterizado o país. E, examinando o áudio e o documento, não há contradições entre eles.

Precipitação, descuido ou astúcia? Os analistas podem dar suas versões, mas qualquer das respostas se tornará inútil se, no próximo domingo, os deputados não fizerem a coisa certa.

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