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Editorial

Não precisamos de uma “jurisprudência Lula”

 | Marcelo Camargo/Agência Brasil
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, deixou claro em jantar promovido pelo site Poder360 que, se depender dela, não haverá julgamento em plenário para reverter o entendimento atual da corte a respeito da prisão após condenação em segunda instância e, com isso, beneficiar o ex-presidente Lula. Segundo a ministra, isso seria “apequenar o Judiciário” – e felizmente ela tem essa percepção, porque reduzir o Supremo Tribunal Federal a um chancelador da vontade de determinados partidos políticos é justamente o que se pretende fazer neste momento sensível da história do país.

Em duas votações no fim de 2016, pela apertada maioria de seis votos a cinco, o STF decidiu que o cumprimento da pena poderia começar após a decisão de tribunais de segunda instância – seja os Tribunais Regionais Federais, na Justiça Federal, ou os Tribunais de Justiça, nos estados. A decisão não criou uma obrigação, e nem a prisão é automática – em cada caso, é preciso que os magistrados responsáveis pelos julgamentos determinem que o condenado inicie o cumprimento da pena.

A última coisa de que o país precisa é ver sua suprema corte rebaixada

As primeiras rachaduras neste dique foram abertas pelo ministro Gilmar Mendes, um dos que haviam votado com a maioria no julgamento de 2016. No segundo semestre do ano passado, Mendes concedeu habeas corpus em benefício de um empresário que já tinha contra si decisão em segunda instância por crime contra a ordem tributária, e deu a entender que, se o tema voltasse ao plenário do Supremo, mudaria sua posição. Isso não impediu que, em dezembro do ano passado, Mendes negasse habeas corpus semelhante, dessa vez solicitado pela defesa de um condenado por homicídio culposo.

E, com a decisão do TRF4 que confirmou a condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, os defensores do petista, sabedores da possibilidade de uma reversão no entendimento que pelo menos livre Lula da cadeia neste momento (questão que não tem ligação alguma com a sua inelegibilidade no pleito de outubro), inventaram uma certa “urgência”: o Supremo teria que rediscutir a questão em nome de uma suposta “pacificação” da jurisprudência – como se os ministros já não tivessem tratado do tema mais de uma vez.

Claro que o objetivo não declarado (mas também não ocultado) desse tipo de pressão sobre Cármen Lúcia é a criação de uma “jurisprudência Lula”, oportunamente feita para beneficiar o ex-presidente, cujo processo no TRF4 terminará assim que o tribunal analisar os embargos de declaração a que a defesa tem direito. Ora, isso seria o cúmulo do casuísmo, uma situação em que uma corte tomaria uma decisão tomando como o critério principal o nome do réu, e não o mérito da questão propriamente dita. Neste caso, sim, o STF estaria agindo como um tribunal político, e não jurídico – justamente aquilo de que os petistas vivem acusando indevidamente o Supremo.

Infelizmente, a própria presidente do STF deu a entender que, apesar de sua convicção, há brechas para o tema voltar ao plenário. “Se acontecer de alguém levar em mesa, é outra coisa, não é pauta do presidente”, afirmou, sem dar mais explicações. De fato, há certos tipos de ações que podem “atravessar a pauta”, mas mesmo assim continua sendo prerrogativa do presidente da corte definir os temas do dia, e inclusive a ordem em que serão discutidos em cada sessão. Cármen Lúcia julgou desnecessário explicar mais sobre essa situação aos jornalistas e empresários presentes ao jantar por julgá-la hipotética, e só resta esperar mesmo que se trate de uma possibilidade bastante remota. A última coisa de que o país precisa é ver sua suprema corte rebaixada, colocada a serviço de um projeto político que agride a democracia ou de um líder populista condenado por corrupção.

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