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O estigma de "país do futuro" corrompeu nosso imaginário de nação. Mas as estatísticas nos atropelam, convidando-nos a pensar num Brasil de cabelos brancos

Até parece mentira – o Brasil que parecia fadado a ser eternamente jovem está prestes a entrar na terceira idade. Os dados são do IBGE. E não são de brincadeira. A contar pelos índices divulgados pelo instituto, em 2050 seremos uma nação com 30% das pessoas com 60 anos ou mais. Com essa divisão da pirâmide, muda tudo – da Previdência Social às calçadas que deus nos acuda, passando pelas moradias e pelos padrões de beleza. E comportamento. Grande momento – e não há nenhum cinismo nisso. O que se diz a respeito é que a pirâmide etária – mais velha – custará caro para o país, os rins, as córneas. E custará mesmo, em especial se o Brasil não se planejar para a nova ordem que se aproxima. E essa é a questão – com perdão à já enfadonha comparação com os preparativos para a Copa do Mundo, fazer projetos de médio e longo prazo não é o nosso forte. Somos crônica e culturalmente adolescentes e, pior, achamos que essa é graça de ser brasileiro, moradores dessa terra de "Lelecos".

Mas não há graça nenhuma em brincar com os imperativos do tempo, pelo simples motivo de que não perdoam. Não se pode tratá-los com emplastros, compressas e escalda-pés. Em miúdos, o "Brasil vovô" tem mais demandas a resolver do que matutar para saber como é que vai se virar com as aposentadorias. Precisará ter pernas para esse amanhã grisalho. É seu maior desafio dentre todos, desde o dia em que aqui aportou a esquadra de Cabral. Não passamos bem pelo "bônus demográfico", com seus milhares de jovens à espreita de entrar na sociedade do conhecimento, para chegarem melhores ao mundo do trabalho. Os resultados estão aí para confirmar: houve avanços, sim, mas nossas taxas de evasão e de "nem-nem" – os que não trabalham nem estudam – são de tirar o sono: desconhece-se a existência de um país desenvolvido que tenha índices juvenis iguais aos nossos.

Parece esquizofrenia falar da mocidade para pensar a situação da velhice. Parecem a pedra e a seda, mas ledo engano. Tanto moçoilos aptos para o surfe quanto velhinhos candidatos às piores artroses são vulneráveis e precisam ser cuidados de modo a viver o destino que lhes está reservado. O parangolé é que temos repertório o bastante para gargantear o quanto é bom viver num país de jovens. Jovem aprende. Jovem surpreende. Jovem tem tempo para reescrever sua história. O jovem é o cidadão sob medida para o país do futuro, com folga o discurso mais frequente que fazemos sobre nós mesmos. Mas não sabemos dizer muito sobre aqueles para os quais qualquer contagem de anos soa a piruetas na corda bamba. O imaginário de velhos, no Brasil, é de uma pobreza abissal, e ainda não nos demos conta dessa nossa limitação profunda. Uma ilustração: certa feita, um grupo de grandes atores se negou a participar de uma campanha governamental sobre a velhice. Era estigma forte demais para quem ainda disputava papéis de destaque nas telenovelas.

Resta mesmo a impressão de que não surgiria entre nós uma ficção da estatura de O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Márquez – a descrição da flacidez de Fermina Daza soaria como uma exasperação do realismo fantástico na terra do carnaval. Exagero? Não. A atriz Betty Faria, septuagenária, experimentou a fúria dos internautas e quetais ao desafiar as convenções e usar biquíni numa praia. A pergunta dela nos esbofeteia: "Do que, afinal, deveria se envergonhar?" Não sabemos responder. Em outras palavras, as mudanças estruturais exigidas pelo nosso amadurecimento anunciado precisam passar por uma madureza cultural. Precisamos falar sobre envelhecer até fartar, enfrentando nossos fantasmas. Velhos para nós são queridinhos, assexuados, conformados... São muitas expressões comuns que se prestam a infantilizá-los, domesticá-los e neutralizá-los, ignorando que são seres de vontade própria, com ato e potência para operar mudanças.

Não é demais dizer que o "apagamento cordial" dos mais velhos figura entre os maiores pecados da sociedade brasileira. É daninho. É prejudicial à implantação de políticas públicas para esse grupo que precisa, em caráter urgente, entrar em perspectiva da saúde, do urbanismo, da educação, do mundo corporativo, das artes. Por ora, eles – os fartos em anos – não estão na publicidade, o que indica que não existem como ideal desejável de consumidor. Também desaparecem de muitas categorias profissionais e causam urticárias entre os papas dos recursos humanos. Não somos atendidos por eles nos shop­pings. Nem é preciso dizer mais. Os exemplos de negação da terceira idade pululam. Muitos desses preconceitos hão de sucumbir, por força do capital. Outros vão sobreviver, cerceando nossa criatividade e nosso olhar, perpetuando a miragem de que ainda somos jovens, seja lá o que isso signifique.

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