Numa de suas frases históricas, Balzac, observador impiedoso do jornalismo francês do século 19, não se conteve: “Se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la”. A frase costuma ser repetida a cada vez que o mundo da notícia é apontado como causa de todas as desgraças, sinal mais de preguiça intelectual que de espírito de investigação. Um desses momentos é agora, quando a proliferação de fake news chegou a níveis alarmantes.
O senso comum é de que nunca se leu tanto jornal. Causa e efeito, nunca se falou tanto mal desse ofício, incluindo, no pacote, desejar o seu desaparecimento, sob as bênçãos de Balzac. De modo que é melhor separar os fundilhos das calças, antes que seja tarde e mergulhemos numa onda de autoritarismo.
Procurar fontes confiáveis, mesmo que ideologicamente díspares, é ser cidadão
Já são horas de separar em partes essa massa de pão a que chamam mídia. É palavra no plural. Não que haja entre as mídias alguma destituída de falhas, pois é da natureza desse trabalho errar. A questão é que certos veículos erram na busca da verdade e outros erram por desprezá-la, matando no ninho aquilo que dizem amar. As redes sociais se tornaram a pista de esqui não só para os livre-praticantes da notícia como do jornalismo feito pelo baixo clero. Sua única intenção é “causar”, sem cumprir a virtude da profissão – a checagem de informações. Sua matéria-prima são os factoides, cujo único benefício é causar a impressão, em quem os repete, de que reconheceu e divulgou um fato extraordinário.
Não é preciso ser o gênio da lâmpada para prever os malefícios das informações tiradas da cartola. A esse crime nada delicado o filósofo Alain de Botton dedicou o ensaio Notícias, manual do usuário, num flagrante pedido de que não se ignore quão nocivo é desconhecer, para bem e para mal, a linguagem dos jornais.
Nos Estados Unidos, comunidades inteiras, ao se verem arrasadas por informações que parecem trotes feitos por crianças ao Corpo de Bombeiros, se lançam num movimento quase reivindicatório de volta à informação de qualidade. Querem se salvar. A tendência foi percebida por um dos gurus da revolução informática, o otimista Ken Doctor, autor de Newsonomics. Tomara esse reconhecimento crie uma febre mundial, encerrando o período obscurantista e juvenil em que nos metemos.
Enquanto o reconhecimento coletivo da necessidade do jornalismo profissional não se impõe, o jeito é fazer educação pela pedra, lição de casa, sem corpo mole. Mais do que nunca a sociedade organizada precisa se mobilizar contra a indústria de boatos, pelo simples motivo: é um atentado em série, contra tudo o que há de bom, nobre e justo. É preciso desenvolver defesas contra a grande feira que circula na internet – nem sempre de forma legítima.
Não se trata de proibir as mídias, mas de perceber que tamanho têm de fato. Se a censura é o pior dos mundos, a informação é o melhor. Não se chega a ela só pelo prazer, mas pelo esforço. Assim como é preciso perícia para ler um romance de 500 páginas e 30 personagens, ou um complexo livro de ensaio, a leitura de notícia exige ciência.
Rejeitar a notícia na sua forma mais genuína é se negar a crescer, privando-se do que há de mais humano, o exercício do pensar. A informação não está ali para causar prazer ou para dar asas à suavidade dos sofismas. Acompanhá-la exige esforço e sentido cívico. Procurar fontes confiáveis, mesmo que ideologicamente díspares, é ser cidadão. Do contrário, em pouco tempo vamos repetir o lamento do semiólogo Umberto Eco, exasperado com as idiotices do mundo virtual. Seu incômodo redundou no último romance de sua lavra, Número Zero, ambientado numa redação. É a tradução dos tormentos de um dos maiores pensadores do século 20, ao perceber o ponto em que estamos.
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