Uma das mais perniciosas práticas da vida pública brasileira, o nepotismo, que se arraigou de maneira profunda em nossa cultura política, dá sinais de que não se acabará tão cedo, como seria desejável. Ainda há gestores públicos que, em vez de se pautarem pelos princípios da moralidade e da eficiência, seguem demonstrando mais apreço pelo favorecimento pessoal que pelos interesses comuns. Esse é o caso de um grande número de prefeitos recém-empossados em municípios do Paraná. Aproveitando uma exceção da regra, nomearam, assim que assumiram, sem qualquer escrúpulo, dezenas de parentes para cargos em suas próprias administrações, como mostrou uma reportagem publicada ontem pela Gazeta do Povo.
A Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), editada em agosto do ano passado, proíbe o nepotismo. Mas faz uma ressalva: autoriza que parentes de administradores públicos ocupem somente cargos de viés político ministérios, secretarias estaduais e municipais. A exceção virou regra em pelo menos 30 municípios, segundo apurou a reportagem. E a súmula, que parecia ser a solução para o problema do nepotismo no país, está sendo driblada com um "jeitinho" de que o governo estadual também se valeu para proteger os parentes: o remanejamento para cargos em que a proibição não os alcança.
Fugindo ao compromisso de banir o velho vício do cenário político, os novos prefeitos perdem a oportunidade de começar o mandato mostrando seu real compromisso com a moralização da política. Muitos deles elegeram-se prometendo renovação, um bordão que, por si só, não quer dizer muito. Posto que não é preciso renovar o que vai bem, para o eleitor, essa expressão embute a garantia de as falhas das gestões anteriores é que serão repelidas.
Fica evidente que, por si só, a Súmula 13 não vai acabar com o empreguismo na administração pública. Alguns magistrados já defendem uma redução drástica do número de cargos comissionados nas três esferas de poder, caso do juiz Mozart Valadares Pires, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. Ele é claro em seu ponto de vista: "Efetivamente, só vamos combater o nepotismo quando houver uma queda substancial no quadro de cargos de confiança".
O dia-a-dia da vida pública tem demonstrado que o atual sistema de preenchimento de vagas no serviço público, que atropela o crivo do concurso de provas e de títulos, é um campo fértil para a troca de favores. Na prática, o que acontece, à sombra desse modelo é que os detentores do poder se apropriam de um bem público como se fosse uma propriedade particular.
Segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de funcionários comissionados nas prefeituras dos 5.564 municípios brasileiros aumentou de 380 mil para 422 mil de 2005 para 2006. Mantido o ritmo de criação de 42 mil cargos por ano, apenas nas prefeituras o total de comissionados já passaria, hoje, de meio milhão. Incluídos os cargos de confiança das esferas mais altas do Executivo, mais o Legislativo e o Judiciário, o total supera 700 mil. Nos governos estaduais são mais de 150 mil os servidores em comissão, segundo o IBGE.
Será preciso um esforço político muito grande e muitos anos de trabalho para reformular essa concepção de Estado e estabelecer um número de cargos de confiança mais compatível com os princípios da moralidade e com a realidade brasileira.