No país do "jeitinho", nem mesmo as iniciativas que visam pôr fim a essa prática perniciosa alcançam o êxito que delas se poderia esperar. É que, ao "jeitinho" de ontem se sobrepõe hoje outro "jeitinho" o que lembra a máxima criada por Giuseppe de Lampedusa, segundo a qual é sempre possível mudar na aparência alguma coisa para que tudo permaneça igual. Infelizmente, ao se completar um ano da Súmula 13, pela qual o Supremo Tribunal Federal (STF) pretendeu acabar com o nepotismo, pode-se chegar à conclusão de que o autor do clássico da literatura italiana Il Gattopardo tinha alguma razão.
A sede com que nossos governantes nomeavam parentes para cargos de confiança levou a opinião pública a contrapor-se a esse costume, assim como, em sentido prático, movimentaram-se anos atrás instituições do porte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). Tal movimento teve sucesso quando, ao chegar ao exame final do STF, este baixou a Súmula 13, reconhecendo que o nepotismo caracterizava clara agressão aos princípios da moralidade e da impessoalidade na administração pública, inscritos no artigo 37 da Constituição Federal.
O "jeitinho" dos que se davam a praticar o nepotismo baseava-se na generalidade dos princípios invocados, o que os tornaria inaplicáveis se antes não fossem devidamente regulamentados. Apenas para citar um exemplo, lembre-se de que o governo do Paraná, desde 2003, foi um dos que mais se serviram dessa suposta lacuna, registrando-se a escandalosa presença de irmãos, esposas, sobrinhos e outros parentes em todos os níveis da administração. Até que, finalmente, o Supremo, ao instituir a proibição, pretendeu colocar um paradeiro nessa situação.
Sem dúvida, não se deve deixar de reconhecer que foi um avanço institucional importante. Entretanto, a mesma súmula proibitiva criou uma válvula permissiva, por meio da qual o que era para ser mudado pôde manter-se como estava. A válvula foi a exceção criada, aquela que considera legais e morais as nomeações de parentes para os chamados "cargos políticos", dentre os quais se incluem os de secretários de estado.
Foi o que bastou para que, seja no governo do Paraná seja no de outros estados, assim como em prefeituras do Brasil afora, cargos de assessoramento técnico fossem rapidamente transformados em secretarias estaduais ou municipais. De tal sorte que os mesmos irmãos, esposas, sobrinhos... mantivessem exatamente as mesmas posições de antanho, conforme registra a reportagem que publicamos nesta edição. Na matéria, tem-se o retrato do que afirmamos: um "jeitinho" novo, com a capa da legalidade, permite, na prática, não mudar a imoralidade e a impessoalidade que antes vigiam.
Comemore-se, sim, o primeiro aniversário da Súmula 13. Não há porque não fazê-lo. Mas ficou evidente que ela não bastou e não basta para sanear a administração pública do mesmo antigo defeito. Há de se avançar ainda mais o que nos leva a defender tese ainda mais ampla, qual seja a da necessidade de modernização da própria administração pública.
É inconcebível que tantos cargos sejam ainda preenchidos sem necessidade de concurso. Que sejam preenchidos ao alvitre do governante de plantão, interessado antes em distribuir prebendas a parentes ou a apaniguados políticos do que em buscar eficiência. Não há argumento que pare em pé para justificar a existência de nada menos de 20 mil cargos comissionados na administração federal ou mais de 3 mil na do Paraná principalmente quando se sabe que não passa (apenas para citar o exemplo de um país desenvolvido) de uma centena o número de funcionários de livre nomeação no governo da Inglaterra!
Uma reforma administrativa que caracterize de modo claro e definitivo o que deva ser "cargo político", ao mesmo tempo em que imponha limites à sua criação, bem como estimule a formação e qualificação de quadros estáveis, será certamente terapia mais eficaz para resolver o mal do nepotismo. Entretanto, quem há de tomar tal iniciativa se, antes, não for vencido o mal cultural que, por herança cartorial, impele nossos governantes aí incluídos legisladores e representantes da Justiça a confundir o público com o privado?