Diante de uma eleição presidencial claramente fraudulenta e ilegítima como a de 2018, em que Nicolás Maduro saiu-se “vencedor”, a Assembleia Nacional venezuelana acertou ao seguir o caminho previsto pela Constituição bolivariana, fazendo do então presidente do Legislativo, Juan Guaidó, o presidente interino do país, em um movimento rapidamente reconhecido por boa parte das democracias ocidentais e instituições importantes como a Organização dos Estados Americanos (OEA). A principal função do interino, no entanto, jamais teve como ser levada a cabo: a realização de novas eleições, como manda o artigo 233 da Constituição venezuelana, jamais ocorreu, até porque Maduro ainda é o governante de fato, embora não de direito.
Tendo bloqueado todas as chances de um desfecho que permita o retorno da democracia à Venezuela, o ditador está perto de conquistar uma “vitória pelo cansaço”: a Assembleia Nacional legítima – aquela eleita em 2015, não a “eleita” em outra farsa eleitoral em dezembro de 2020 – está prestes a extinguir a figura da presidência interina. A medida já foi aprovada em primeira votação e o segundo turno deve ocorrer nesta quinta-feira. “Os objetivos de liberalização [política e de direitos humanos] esperados não foram alcançados e o país exige novos caminhos que nos levem à democracia”, afirmaram representantes de partidos contrários ao bolivarianismo antes que a extinção do cargo de presidente interino fosse levada a votação.
Juan Guaidó não conseguiu se impor internamente e foi abandonado por antigos aliados externos
Por mais que tenha acertado ao se declarar presidente interino, Guaidó não conseguiu atrair para seu lado forças internas e externas que o ajudassem a prevalecer sobre Maduro e finalmente encerrar a ditadura bolivariana. A cúpula das Forças Armadas venezuelanas segue totalmente leal ao bolivariano, comprada com cargos importantes em estatais como a PDVSA, confirmando a famosa frase atribuída a John Rockefeller segundo a qual uma empresa de petróleo mal administrada ainda é o segundo melhor negócio do mundo (perdendo apenas para uma empresa de petróleo bem administrada). Esses militares podem até não estar completamente alinhados ideologicamente ao chavismo, mas não estão dispostos a abrir mão de petrodólares certos para bancar a volta da democracia ao país.
No front externo, Guaidó conseguiu de imediato o apoio de pesos-pesados como Estados Unidos, União Europeia, Canadá, o Grupo de Lima (que inclui o Brasil) e a OEA. No entanto, desde o início da disputa Maduro contou com aliados, seja de outras autocracias, como Turquia, Rússia e Irã, seja de camaradas ideológicos em países não ditatoriais governados pela esquerda, como no México. E este apoio vem crescendo nos últimos meses: na América Latina, governos neutros ou simpáticos a Guaidó deram lugar a aliados de Maduro no Chile, no Peru, na Argentina, na Colômbia e, agora, no Brasil. Na Europa, a desastrada decisão da UE de retirar o reconhecimento de Guaidó (sem, no entanto, reconhecer Maduro) após a Assembleia Nacional decidir pela prorrogação dos próprios mandados para evitar um vácuo de poder abriu caminho para que nações como Portugal e Espanha (governados pela esquerda) estabelecessem relações com representantes diplomáticos do ditador. Já os Estados Unidos seguiram apoiando Guaidó mesmo depois que Donald Trump foi substituído por Joe Biden.
Assim, um Guaidó que não conseguiu se impor internamente e que foi abandonado por antigos aliados externos deve desistir de sua reivindicação à presidência da república. É possível que este movimento das forças democráticas remova um obstáculo para que Maduro aceite a realização de eleições livres e limpas em 2024, de forma que a Venezuela volte a ter um governo legítimo? A resposta dependerá muito da pressão internacional sobre o ditador. Maduro entra e sai de rodadas de negociação quando bem entende, usando todo tipo de pretexto – o Vaticano chegou a supervisionar algumas conversas, mas o papa Francisco se cansou das artimanhas do bolivariano e, em carta endereçada ao “sr. Maduro” em 2019, negou um novo pedido de mediação alegando que, nas ocasiões anteriores, não houve “gestos concretos para implementar os acordos” da parte do ditador. Esta “vitória pelo cansaço” e o crescente número de países que reconhecem Maduro fortalecem a posição do socialista, e nessas condições é cada vez mais improvável que ele faça concessões. Pior para o povo venezuelano, condenado a viver sob uma ditadura que só promove fome, miséria e violência.