Depois de passar um mês na embaixada da Holanda, Edmundo González saiu da Venezuela e chegou à Espanha em busca de asilo político.| Foto: EFE/ Rayner Peña R.
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A não ser que a ditadura de Nicolás Maduro tenha um Ramón Mercader para chamar de seu – uma hipótese que jamais pode ser descartada, dado o recente sequestro e assassinato do ex-militar Ronald Ojeda, no Chile –, o oposicionista Edmundo González Urrutia, vencedor da eleição venezuelana de julho de acordo com os boletins de urna divulgados pelas forças democráticas, está agora em segurança. No sábado, ele chegou à Espanha em um avião da Força Aérea do país europeu, após ter se refugiado na embaixada espanhola em Caracas para escapar da prisão arbitrária determinada pela Justiça da Venezuela.

O regime de Maduro rapidamente tentou tirar proveito da ação de González. Afirmou, por exemplo, que tudo havia sido negociado com a Espanha, o que foi negado pelo chanceler espanhol. O ditador, que insultou e ameaçou o oposicionista de todas as formas possíveis nos últimos dias, manifestou “respeito” pela “decisão”. O “número 2” do bolivarianismo, Diosdado Cabello, foi além e afirmou que González estava fugindo “da direita, do fascismo, não do governo”. A verdade, obviamente, é bem diferente: González não tomou nenhuma decisão livre; ele deixou o país porque esta era a única chance que tinha de não se tornar mais um dos inúmeros presos políticos da ditadura chavista. E, em uma evidência de que a ordem de prisão emitida contra o oposicionista tinha justamente o objetivo de forçá-lo a sair da Venezuela, o procurador-geral Tarek William Saab anunciou o encerramento das investigações contra González, em vez de simplesmente considerá-lo um criminoso foragido.

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Derrotado nas urnas, Maduro usa um Judiciário subserviente para confirmar sua “vitória” e conta com o sistema persecutório para forçar ao exílio o opositor que o venceu na eleição

Falar em fraude para se referir à eleição venezuelana, agora, é pouco. Houve, de fato, fraude na totalização dos votos, interrompida subitamente e substituída por um anúncio de vitória de Maduro. Mas o que ocorre no país é nada menos que um autogolpe: derrotado nas urnas, o ditador usa um Judiciário subserviente para confirmar sua “vitória” e criminalizar a divulgação de qualquer ata de votação, e conta com o sistema persecutório para se livrar do opositor que o venceu na escolha popular, forçando-o ao exílio.

E a tudo isso Lula assiste com uma vergonhosa impassividade, manifestando-se com termos muito amenos para a gravidade da situação e insistindo eternamente na divulgação das atas de votação, algo que a ditadura deixou claro que não fará – já os boletins divulgados pela oposição, e que até militantes chavistas disseram bater com os números vistos por eles após a votação, esses Lula simplesmente descarta. Com isso, o petista apenas ajuda seu camarada a ganhar tempo enquanto planeja os próximos movimentos de sua consolidação no poder absoluto.

Nem mesmo o cerco à embaixada argentina em Caracas – atualmente custodiada pelo Brasil e na qual estão abrigados oposicionistas que o chavismo gostaria de ver na cadeia – por policiais e paramilitares chavistas, iniciado na sexta-feira e encerrado no domingo, depois que González chegou à Espanha, serviu para mudar a postura de Lula e do Itamaraty. A diplomacia brasileira se limitou a manifestar “surpresa” (nada mais que isso) e afirmar que seguiria responsável pelo local e pelos interesses argentinos até que outro país fosse designado para a tarefa. Lula convocou uma reunião no domingo com a ministra interina das Relações Exteriores (já que o chanceler de jure, Mauro Vieira, está no exterior) e um assessor do chanceler de facto, Celso Amorim (que também está fora do país), mas não deu nenhuma declaração pública sobre o episódio.

Lula já era irrelevante por natureza em grandes questões geopolíticas, como a guerra na Ucrânia e a ofensiva israelense contra os terroristas do Hamas, e suas falas sobre ambos os temas só aprofundaram seu isolamento em relação às grandes democracias ocidentais. Mas agora o petista conseguiu a proeza de tornar o Brasil irrelevante também no próprio continente onde deveria ser o líder. O bolivarianismo chavista já tinha tripudiado do Brasil em outras ocasiões, como nos calotes venezuelanos, mas elevou seu desprezo a outro patamar – em parte, porque conseguiu amigos mais poderosos, como Rússia e China; mas também porque sabe que Lula, em nome da camaradagem ideológica, fecha os olhos a todas as barbaridades vindas de Caracas.

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