Imaginemos o que aconteceria no país se, em meio às turbulências que a população promove às portas do Palácio do Planalto, o mensaleiro Delúbio Soares fosse nomeado ministro de Estado pela presidente da República. O disparate que ela cometeria seria de tal magnitude que muito provavelmente a pacífica agitação de faixas e cartazes clamando pelo combate à corrupção e pela restauração da moralidade no setor público logo se transformaria num quebra-quebra difícil de conter.
Pois no Paraná acaba de ser nomeado secretário especial pelo governador Beto Richa alguém que, mesmo não tendo proporcionalmente a mesma negativa notoriedade de Delúbio, não detém condições morais para ocupar cargo público ainda mais com a relevância e pomposidade daquele que lhe foi atribuído: Secretário Especial para Assuntos de Cerimonial e Relações Internacionais! Trata-se de Ezequias Moreira Rodrigues, que se tornou nacionalmente conhecido como o "homem da sogra fantasma", após ter sido denunciado em 2007 como beneficiário durante 11 anos dos salários que a sogra recebia da Assembleia Legislativa do Paraná sem nunca ter comparecido à repartição. Na época da denúncia, Ezequias assessorava o então prefeito de Curitiba, hoje governador, que tratou logo de demitir o auxiliar para que a péssima repercussão do caso pesasse menos sobre seus ombros.
A demissão da prefeitura não impediu que o Ministério Público movesse dois processos um cível, outro criminal contra Ezequias. Do primeiro, ele foi absolvido, graças à devolução aos cofres públicos de cerca de meio milhão de reais que recebera irregularmente da Assembleia. O dinheiro devolvido ele diz ter arrecadado graças a "vaquinhas" e empréstimos de amigos. Do segundo, porém, o criminal, corria o risco de não se livrar facilmente e acabar condenado, pois não basta a simples restituição dos valores para que se desfaça o caráter dos atos que cometeu como crimes de improbidade administrativa e de desvio de dinheiro público. A ação estava prestes a ser julgada por uma vara judicial de primeira instância, com provas e todos os demais elementos de instrução que tornariam improvável uma nova absolvição.
Em 2011, não era este, porém, o prejulgamento que Beto Richa fazia. Imaginando ser suficiente a devolução do dinheiro desviado para que Ezequias já não tivesse mais contas a pagar, tão logo tomou posse como governador nomeou o ex-assessor e amigo para uma diretoria da Sanepar. Justificava seu ato com uma frase que, equivocadamente, dizia ter encontrado na Bíblia: "perdoa-se o pecador e não o pecado". Richa queria, agora, completar a obra salvadora de Ezequias Moreira: ao alçá-lo ao cargo de secretário de Estado, dar-lhe-ia a condição de ser julgado não mais por um juiz singular de primeira instância, mas pelos colegiados de desembargadores do Tribunal de Justiça um território que, ainda que não precise ser citado como reconhecidamente mais amigável, pelo menos permite ao réu estender indefinidamente os prazos para o julgamento da causa. O tiro, até o momento, saiu pela culatra, pois a juíza Luciane do Rocio Custódio Ludovico, da 5.ª Vara Criminal de Curitiba, negou o pedido de foro privilegiado para Ezequias, ao entender que o privilégio dado a secretários de Estado não se estende a secretários especiais. Como ainda cabe recurso, veremos até onde irão os paladinos da impunidade.
A favorecer a atitude de Richa, apenas o inscrito no artigo 5.º da Constituição Federal: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Mas o governador esqueceu-se de que seu protegido é réu confesso: ao devolver o dinheiro que embolsou ilegalmente, confessou-se culpado de crimes contra o patrimônio público. Aqui reside o erro de Richa: defender misericórdia para Ezequias, ou que ele não seja obrigado a pagar pelo resto da vida, não se confunde, de forma alguma, com alçá-lo ao prestígio de um cargo público quando ele ainda nem terminou de responder pelo dano cometido aos cofres do estado. Que o governador o tenha feito duas vezes primeiro, na Sanepar; e agora, no primeiro escalão do governo só mostra o descompasso entre a atitude de Richa e o anseio popular pela moralização da política.