O Brasil vem cultivando algumas grandes catástrofes que impedem a evolução do país, e não falamos apenas das grandes crises econômicas, uma das “heranças malditas” do período lulopetista no Planalto. Temos, também, os 60 mil homicídios anuais, números dignos de países em guerra civil – com a diferença de que, no Brasil, não há duas ou mais facções igualmente armadas em conflito, mas uma bandidagem fortemente armada cujo arsenal humilha o das forças de segurança. E temos, ainda, um sistema educacional que prende os estudantes em níveis medíocres de aprendizado.
O Ministério da Educação divulgou, na quinta-feira, as notas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que avalia as escolas públicas e particulares do país a cada dois anos. E o dado estarrecedor dos números relativos a 2017 está no terceiro ano do ensino médio: as notas de Português e Matemática estão nos mesmos níveis de 2005 – ou seja, o país não evoluiu nada em 12 anos.
E essa estagnação ocorre em patamares assustadores: a média nacional de Matemática, de 270 pontos, coloca esses estudantes no nível 2 em uma escala que vai até 10. Quem está nessa condição é incapaz, por exemplo, de “resolver problemas utilizando operações fundamentais com números naturais”, “determinar a probabilidade da ocorrência de um evento simples” (capacidades associadas ao nível 4) ou “resolver problemas envolvendo Teorema de Pitágoras” (nível 6).
Que futuro profissional podemos oferecer a jovens semianalfabetos e que ignoram o básico da matemática?
Em Português o resultado é semelhante: com 268 pontos, a média dos estudantes também fica no nível 2, na escala que vai até 8. Esses estudantes não conseguem “localizar informação explícita em artigos de opinião”, “reconhecer o tema de uma crônica” ou “reconhecer opiniões divergentes sobre o mesmo tema em diferentes textos” (habilidades do nível 3), bem como “diferenciar fato de opinião em contos, artigos e reportagens” (nível 4), “identificar a informação principal em reportagens” (nível 5) ou “inferir efeito de humor e ironia em tirinhas e charges” (nível 7).
Em resumo, quem está saindo do ensino médio até consegue executar operações básicas, mas não irá muito além disso; e é capaz de ler, mas tem enormes dificuldades para entender o que lê. As implicações dessa incapacidade generalizada são inúmeras, e começam pela própria convivência cotidiana, que se vê prejudicada quando as habilidades de compreensão estão deterioradas ao ponto de uma pessoa não conseguir separar fatos de opiniões, ou não entender ironias e outras figuras de linguagem. Além disso, esses jovens têm sua formação humanística ameaçada ao perder o acesso ao que de mais sublime a humanidade produziu na arte, especialmente na literatura.
Cristovam Buarque: Sob os olhos (15 de junho de 2017)
Leia também: Ensino médio, entre a utopia e o pragmatismo (artigo de Fabricio Maoski, publicado em 17 de fevereiro de 2017)
E não se pode, em momento algum, descartar o impacto no futuro profissional desses jovens. Ainda que se alegue que apenas uma parte deles continuará a vida escolar nos bancos de uma faculdade (e esse funil também é outro problema sério, mas que não nos cabe comentar agora), um conhecimento mínimo do idioma e de matemática é requisito básico para se exercer uma série de profissões que não exigem curso superior, mas que são tão ou mais importantes para a sociedade. A não ser que esses jovens busquem por conta própria o que a escola não tem sido capaz de lhes entregar, eles estarão condenados a exercer as tarefas mais simples e pior remuneradas, sem a menor chance de ascender socialmente por meio do trabalho.
As deficiências educacionais dos egressos do ensino médio também colocam uma pressão adicional sobre o ensino superior brasileiro, que se vê obrigado a oferecer um “reforço” para que esses novos universitários dominem o conteúdo de Português e Matemática necessário para poder começar a absorver o currículo do curso. Tempo e recursos humanos já escassos precisam ser direcionados a essa tarefa antes que a universidade possa cumprir o papel que lhe cabe.
A revolução tecnológica está abrindo e ainda abrirá uma infinidade de frentes de emprego, mas que perspectiva de se inserir nesse mundo tem um jovem que não consegue resolver problemas de matemática básica? Diversas profissões “tradicionais” continuarão a existir e a gerar riqueza, mas que sucesso pode ter alguém que não sabe nem sequer compreender um texto de complexidade média, quanto mais redigir um? A tragédia que o Saeb escancara é um pedido de socorro desses jovens e um chamado aos educadores para que reavaliem suas prioridades.
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