O governo Lula exibiu suas credenciais abortistas já nos primeiros dias após a posse, em janeiro de 2023. Além dos discursos das ministras da Saúde, Nísia Trindade, e das Mulheres, Aparecida Gonçalves, reiterando todos os conhecidos clichês pró-aborto, o governo retirou o Brasil do Consenso de Genebra, um acordo internacional em defesa da vida. Ainda mais importante foi a revogação de uma portaria exigindo dos serviços de saúde que notificasse as autoridades policiais sobre abortos realizados nos casos de gestação resultante de estupro, com preservação do material genético. Pouco mais de um ano depois, uma nova nota técnica do Ministério da Saúde, ainda que de vida curtíssima, revelou a que ponto a insensibilidade do atual governo pode chegar.
A nota, assinada pelos secretários de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, e de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda Magalhães Júnior, revogava dois textos de 2022: uma outra nota técnica e um manual para o atendimento das mulheres que sofrem abortos espontâneos, bem como aos casos de aborto não punidos pelo Código Penal (gravidez resultante de estupro e risco de vida para a mãe; em 2012 o STF autorizou o aborto em caso de feto anencéfalo). As regras estabelecidas no governo anterior, muito mais condizentes com o espírito da lei penal, traziam uma série de pontos positivos: a notificação às autoridades policiais e a preservação do material genético tinham o objetivo de ajudar na descoberta do estuprador, além de dissuadir mulheres de alegar estupros inexistentes apenas para conseguir um aborto sob demanda, já que a falsa comunicação de crime também é criminalizada pelo Código Penal. Especialmente importante era a ênfase na recomendação para que o aborto não fosse feito após a chamada “viabilidade fetal”, que ocorre por volta das 22 semanas e marca o momento em que o feto tem chances de sobrevivência fora do útero; nesses casos, o bebê não deveria ser eliminado, ocorrendo em vez disso a antecipação do parto e o emprego de todos os meios médicos possíveis para preservar a vida da criança recém-nascida.
Tentativa de ampliar acesso ao aborto erroneamente dito “legal” para todos os momentos da gestação, mesmo quando feto já seria viável fora do útero, revela o tamanho da desumanidade que permeia o governo
O absurdo da nova nota técnica petista – suspensa por Nísia Trindade no dia seguinte à sua publicação, após pesadas críticas e sob a alegação de que a ministra não havia tomado conhecimento do seu teor – residia especialmente neste ponto. Alegando que o artigo 128 do Código Penal não estabelece um limite temporal para a realização de abortos sem punição, a norma anulava a recomendação para a antecipação do parto caso a viabilidade fetal tenha sido atingida, afirmando que o aborto poderia ser feito a qualquer momento da gestação. Em outras palavras, as portas ficariam abertas para o desejo de matar puro e simples, pois as opções para encerrar uma gravidez que passou das 22 semanas são bem claras: antecipar o parto e fazer o que for possível para salvar a criança (ainda que não haja 100% de certeza de sucesso), entregando-a depois para adoção caso sobreviva e a mãe não queira ficar com o filho – o que é bem compreensível no caso de uma gestação realmente resultante de violência sexual; ou matar a criança dentro do útero e forçar a expulsão de um bebê morto. Pouco importa o que cada um pense sobre o status legal desse aborto, se permitido pela lei ou se criminalizado e não punido: negar sumariamente a um bebê indefeso e inocente a simples possibilidade de sobreviver é prática profundamente desumana.
A consequência prática desta nova norma, caso ela tivesse sido mantida, seria, no fim das contas, uma espécie de “legalização branca” do aborto sob demanda em qualquer momento da gestação. Se levarmos em conta todas as facilidades anteriormente implantadas pelo governo Lula para a realização de abortos na rede pública, sem a necessidade de boletim de ocorrência e ignorando a obrigação legal imposta pela Lei 13.931/19 (pela qual “constituem objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados”), basta unir os pontos: uma mulher que deseje um aborto poderia buscar um hospital público, alegar ter sofrido um estupro e conseguir eliminar seu filho em qualquer estágio da gestação, sem ter de comprovar sua afirmação e sem correr o risco de uma responsabilização penal caso tenha mentido. Assim, Lula atingiria o objetivo declarado em abril de 2022 – “todo mundo ter direito [ao aborto] e não ter vergonha” – sem precisar do Congresso, onde nunca houve maioria abortista, e prescindindo até mesmo do Supremo Tribunal Federal, onde a ADPF 442 não caminha provavelmente porque não há ministros suficientes para aprovar a legalização do aborto.
O passo que o governo Lula tentou dar, por enquanto sem sucesso, não tinha precedentes. Nem mesmo sua antecessora Dilma Rousseff, outra abortista, havia ousado abrir as portas para o aborto erroneamente dito “legal” em qualquer época da gestação – é de 2012 a norma técnica segundo a qual “não há indicação para interrupção da gravidez após 22 semanas de idade gestacional”. O texto publicado e suspenso chegava ao cúmulo de acusar uma suposta “fragilidade científica das premissas conceituais” das regras anteriores enquanto tentava fazer prevalecer uma série de informações bastante questionáveis sobre a percepção de dor por parte do feto. Este último aspecto, ainda por cima, revelava uma grave distorção de critérios, pois a defesa do nascituro não tem relação nenhuma com o fato de ele sentir dor ou não, mas com o fato simples de ele ser um indivíduo humano, digno de proteção, surgido no momento da concepção.
Em sua tentativa de enganar o eleitor evangélico, Lula escreveu em 2022 que o aborto “não é um tema a ser decidido pelo presidente da República e sim pelo Congresso Nacional”. Era mentira, e qualquer um que tivesse acompanhado as sequências de regulamentações do Ministério da Saúde nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma já sabia que o Poder Executivo tinha os meios de abrir e ampliar brechas para facilitar o aborto sem depender dos outros poderes, usando apenas portarias e notas técnicas. Esta nova tentativa não durou muito, mas até a nota oficial do Ministério da Saúde anunciando a suspensão dá a entender que novas investidas virão. Não há mais dúvida: do presidente aos secretários, o que temos é um governo que despreza completamente a vida humana.